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G. Ciências Humanas - 2. Arqueologia - 2. Arqueologia Pré-Histórica

Mata Atlântica: local de passagem ou de moradia? Padrão de assentamento e mobilidade dos grupos pré-históricos na Mata Atlântica sul catarinense.

Deisi Scunderlick Eloy de Farias 1
(1. GRUPEP-Arqueologia UNISUL - Campus Sul - Tubarão - SC)
INTRODUÇÃO:
Selecionamos como área de investigação a região da encosta sul catarinense, muitas vezes vista como local de passagem e transição dos grupos pré-coloniais. Nela, encontramos dois ambientes importantes inseridos no Bioma da Mata Atlântica: a Floresta Ombrófila Densa e a Floresta Ombrófila Mista. Ambos foram ocupados por grupos pré-coloniais que dali poderiam obter recursos vegetais durante todo o ano (palmito, pinhão, cará, dentre outras espécies, além da caça e da pesca). A pesquisa detalhada da encosta revelou vestígios da cultura material que comprovam ter sido ali um local de ocupação permanente e constante. Escolhemos essa área não apenas por suas características geográficas, mas também pela quantidade de vestígios arqueológicos, identificados e associados a diversos padrões culturais, inclusive os vinculados à Tradição Umbu. A pesquisa examinou aspectos como padrão de assentamento, tecnologia e áreas de captação de recursos que corresponderiam ao objetivo proposto, ou seja, entender o padrão de assentamento dos grupos e a forma como exploravam o ambiente – com recursos estáveis e regulares em alguns pontos de maior diversidade florística e, em outros, escassos, impulsionando seus habitantes a buscar outras alternativas. Em outras palavras, a pesquisa demonstrou que a Mata Atlântica foi um local densamente ocupado desde os períodos pré-coloniais.
METODOLOGIA:
Optamos por um enfoque regional que vigora por compartimentação espacial. Dividimos a região da pesquisa em seis áreas: Área 1 (Tubarão); Área 2 (Gravatal); Área 3 (Pedras Grandes); Área 4 (São Martinho); Área 5 (Angelina) e Área 6 (Grão Pará), pressupondo que os assentamentos pré-coloniais eram parte da paisagem e que em épocas remotas representavam o ecossistema humano de uma ampla  região. Priorizamos a bacia do rio Tubarão para os caminhamentos, onde mapeamos, in loco, cinqüenta e cinco sítios arqueológicos ligados à Tradição Umbu. Nas outras áreas realizamos pesquisa bibliográfica e documental, onde também comprovamos expressivo número de sítios. Além do mapeamento de novos sítios, realizamos o levantamento de relatórios técnicos científicos e o estudo comparativo de duas coleções líticas: uma relacionada aos dezenove sítios líticos mapeados por Rohr e Lavina na década de 1980 no vale do rio Urussanga e outra de oitenta e três sítios na região do Vale do Itajaí, mapeados por Piazza e Eble na década de 1960. Com esse estudo, verificamos a variabilidade das indústrias líticas dos grupos pré-coloniais desde o norte até o sul de Santa Catarina. Utilizamos critérios quantitativos gerais, identificando as suas semelhanças tipológicas e a matéria-prima utilizada.
RESULTADOS:
O padrão de assentamento é o mesmo em toda a região de encosta - os sítios aparecem nos cursos superiores dos rios maiores, na confluência com os rios menores, em patamares planos, meia-encosta e nas áreas de pequenos vales encaixados. Elaboramos um modelo de assentamento estável, distribuído em áreas propícias à captação de recursos, com abundância de matéria-prima, águas próximas e alimentos diversificados. Quanto ao padrão de mobilidade, propomos uma revisão a partir do modelo Xokleng construído por Farias (2005), em que se estabeleceu um padrão mais estável. Quanto a análise de material, os dados obtidos possibilitaram estabelecer uma continuidade para os padrões tecnológicos dos grupos caçadores-coletores da área de encosta. Todos apresentam indústria de lascas, com padrões tecnológicos aparentemente semelhantes, como por exemplo os artefatos bifaciais e as lascas confeccionados em quartzo e calcedônia, menores que 5 cm, produzidos sobre pequenos seixos. Os artefatos maiores, como lâminas de machado, mãos-de-pilão, almofarizes e bifaces são normalmente confeccionados em arenito Botucatu, diabásio e granito, rochas comuns na região de abrangência da pesquisa. O levantamento bibliográfico, a análise de coleções líticas e o mapeamento de outros sítios resultaram na elaboração de um mapa indicativo dos principais sítios com elementos da Tradição Umbu na encosta sul catarinense.
CONCLUSÕES:
Concluímos que esses sítios estão inseridos em uma paisagem heterogênea onde grupos caçadores-coletores e mais tarde, agricultores, instalaram-se. Neles, observamos um padrão de distribuição homogêneo com a presença de agrupamentos entre dois ou mais sítios ao fundo dos vales, apresentando distâncias regulares de 200 a 500 metros entre eles e, em alguns casos, distâncias maiores de 1000 metros. Os grupos assentavam-se nas regiões de micro-bacias, priorizando os locais próximos aos rios menores ou à montante dos rios maiores. Suas características de distribuição e implantação na paisagem são similares, diferindo apenas na densidade. Por conta disso, inferimos que os grupos teriam baixa mobilidade, já que o espaço habitado supriria suas necessidades de subsistência (geologia, fauna e flora diversificadas). A análise tecno-tipológica do material lítico resgatado demonstrou que os grupos pré-coloniais aproveitavam o ambiente e dele retiravam diversas rochas e minerais; essas apresentaram-se tanto em fontes primárias (afloramentos de rochas in loco) quanto fontes secundárias (seixos), sendo essa última a mais utilizada. Verificamos que o material encontrado foi confeccionado sobre essas rochas, abundantes na área. Outras rochas menos comuns também são vistas, embora em número muito pequeno, sugerindo o intercâmbio eventual e/ou mobilidade do grupo para regiões mais distantes, ou o seu encontro ocasional na região.
Instituição de fomento: FAPESC/ CAPES
 
Palavras-chave: Caçadores-coletores; Mata Atlântica; Arqueologia.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006