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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 4. Direito Constitucional
A LIMITAÇÃO DA EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À MORADIA E À CIDADE PELA ATUAÇÃO JURISDICIONAL DO ESTADO: UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS JULGAMENTOS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (1988-2005)
Lucas Pizzolatto Konzen 1
Eduardo Kroeff Machado Carrion 1
Luiza Helena Malta Moll 1
(1. Faculdade de Direito - Universidade Federal do Rio Grande do Sul / UFRGS)
INTRODUÇÃO:

A crise urbana brasileira revela a existência de uma abismal distância entre o dever-ser normativo e a realidade social. Os direitos à moradia adequada e à cidade sustentável foram consagrados pelo ordenamento jurídico nacional. No entanto, constata-se que o processo de urbanização continua produzindo profunda segregação espacial e condenando milhões de famílias à sobrevivência em condições indignas de habitação. Cumpre às ciências jurídicas e sociais explicar quais são os fatores responsáveis pela carência de efetivação desses direitos no país. Entre estes fatores, assume importância a aplicabilidade conferida às normas que lhes asseguram. A hipótese de trabalho leva em conta que os direitos à moradia (artigo 6º) e à cidade (artigo 182) constituem direitos fundamentais cujos requisitos de vigência e legitimidade encontram-se plenamente atendidos no Brasil pós Constituição Federal de 1988. A partir disso, sugere que esses direitos estariam tendo sua eficácia limitada pela atuação legislativa, administrativa e jurisdicional do Estado. A investigação centrou-se, em uma primeira fase, no desenvolvimento da última variável. Para tanto, mostrou-se indispensável atingir dois objetivos: (a) desvendar quais são as possibilidades e os limites de produção de efeitos jurídicos por essas normas, a fim de entender como se pode estender ao máximo sua aplicação; e (b) verificar quais desses efeitos têm sido reconhecidos e quais deles têm sido negados pela atuação jurisdicional do Estado.

METODOLOGIA:

A aplicabilidade das normas constitucionais consiste em uma temática usual no âmbito do paradigma moderno do Direito. Tal paradigma caracteriza-se pelo domínio do positivismo jurídico enquanto matriz epistemológica, cujo método de abordagem por excelência é o lógico-dedutivo. Desse modo, restou inevitável o emprego deste método na investigação. Entretanto, tendo em vista a perspectiva crítica à qual a pesquisa procurou se filiar, revelou-se impraticável adotá-lo de forma isolada. Por conta disso, buscou-se empregar simultaneamente outro método de abordagem emergente da modernidade: o método dialético. No que concerne ao procedimento metodológico de tratamento das fontes, foram seguidas três etapas. Primeiramente, através do método comparativo, examinou-se a doutrina nacional acerca da aplicabilidade das normas constitucionais. Após, com pretensões exaustivas, verificou-se a jurisprudência dos tribunais brasileiros, nas esferas nacional - Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) - e regional - Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRGS) -, de modo a selecionar acórdãos pertinentes aos direitos à moradia e à cidade publicados no período compreendido entre 05 de outubro de 1988 e 05 de outubro de 2005. Por fim, identificaram-se casos exemplares que se constituíam em evidências positivas ou negativas do reconhecimento de efeitos jurídicos a esses direitos, os quais foram analisados qualitativamente e, quando relevante, quantitativamente.

RESULTADOS:

O exame da doutrina nacional permitiu vislumbrar a concepção mais avançada a respeito dos efeitos jurídicos desencadeados, em tese, pelos direitos fundamentais à moradia e à cidade: (1) efeito derrogatório; (2) efeito condicionante; (3) efeito irradiante; (4) efeito mandamental; (5) efeito de vedação de retrocesso constitucional e infraconstitucional; (6) efeito de direito subjetivo de defesa; e (7) efeito de direito subjetivo a prestações positivas. Este arsenal teórico, ao ser cotejado com os dados empíricos obtidos da jurisprudência, apresentou os seguintes resultados: (a) o efeito derrogatório vem sendo discutido em apenas um caso - relativo à penhorabilidade da moradia do fiador do contrato de locação -, no qual prevalecem as decisões contrárias ao seu reconhecimento (por exemplo, no TJRGS, de 49 acórdãos, 73% são contrários); (b) o efeito irradiante tem sido objeto de aplicação pelo STJ e TJRGS, como exemplifica o caso da extensão do conceito de bem de família impenhorável à moradia do devedor solteiro; (c) o efeito de direito de defesa tem sido rejeitado, registrando-se um caso - ações demolitórias intentadas contra a ”Favela Via Férrea” (TJRGS, 19 acórdãos) - no qual foi majoritariamente aceito e tão-somente no que tange ao direto à moradia (11% das decisões contrárias à eficácia de ambos direitos, 52% contrárias à eficácia do direito à cidade exclusivamente); e (d) as informações coletadas demonstraram a inexistência de casos envolvendo os demais efeitos jurídicos.

CONCLUSÕES:

São visíveis os avanços doutrinários concernentes à atribuição de efeitos jurídicos aos direitos fundamentais de caráter social. A controvérsia maior persiste sendo a possibilidade de admitir o efeito de direito subjetivo a prestações positivas, o que se reflete na ausência de demandas neste sentido relacionadas aos direitos à moradia e à cidade. Porém, afora a crescente aceitação da eficácia irradiante - segundo a qual essas normas atuariam como princípios na interpretação, aplicação e integração das demais normas do sistema - os tribunais investigados não têm acompanhado as inovações teóricas. Há uma significativa quantidade de julgamentos negando reconhecimento aos efeitos jurídicos derrogatório e de direito subjetivo de defesa nos casos exemplares identificados. Isso evidencia que a atuação jurisdicional do Estado tem contribuído para limitar a eficácia das normas constitucionais que garantem os direitos fundamentais à moradia e à cidade, vindo ao encontro da hipótese inicialmente formulada. Dialeticamente, os resultados apresentados demonstram que o Estado pode propiciar a obtenção de um maior grau de efetividade dos direitos à moradia e à cidade através de sua atuação jurisdicional. Para tanto, é necessário que os tribunais adotem em seus julgamentos uma concepção teórica apropriada à tarefa de estender ao máximo possível a eficácia dessas normas constitucionais, em atenção ao mandado de otimização expresso pelo parágrafo 1º do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Instituição de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnolológico (CNPq)
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: direitos à moradia e à cidade ; limitação da eficácia dos direitos fundamentais ; atuação jurisdicional do Estado.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006