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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação

EDUCAÇÃO NÃO FORMAL – O ENSINO DA ARTE DESVELANDO O SABER INFANTIL SOBRE O ESPAÇO URBANO DA FAVELA

Flavia Wagner 1, 2
(1. Programa de Pós Graduação em Educação - Universidade Federal de Santa Catarina; 2. Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL)
INTRODUÇÃO:

A pesquisa apresenta um estudo referente à experiência das oficinas de teatro-educação realizadas em 2004 e 2005 na “ONG - Projeto Família Saudável”, localizado na ‘favela’ Vila Aparecida, na cidade de Florianópolis, Santa Catarina/Brasil, que envolveu aproximadamente sessenta crianças, entre sete a doze anos, provenientes de classes populares. O estudo tem como objetivo apresentar, por meio da experiência com o teatro-educação, as “apropriações” que crianças da ‘favela’ Vila Aparecida fazem do espaço urbano em que vivem. Tal temática parte do tradicional problema que é a dificuldade e, ao mesmo tempo, a necessidade, que os professores têm em trabalhar com a diversidade de tempos, de ritmos, de valores e de culturas presentes nos espaços educativos. Percebendo a sala de aula como um espaço de contradição, como uma das várias arenas do conflito social em que a cultura dominante – com os seus códigos, disciplina, valores, preconceitos de gênero, raça e etnia – aparece confrontando-se diretamente com uma cultura de classe localizada. Nesse sentido, muitos professores por não se saber trabalhar com esses diferentes costumes, símbolos, organização de espaços e tempos, expressões corporais, acabam negando essa realidade, rotulando-a como “indisciplinada” e “problemática”. Assim, nós, professores, temos o desafio de promover o diálogo entre a cultura escolar e a cultura dos educandos, o saber científico e o saber popular, a “cultura do livro” e a “cultura da favela”.

METODOLOGIA:

A pesquisa é de ordem  qualitativa e tem enfoque na observação participante. Foram utilizados vários instrumentos de coleta de dados: depoimentos com moradores da ‘favela’ Vila Aparecida; visitas na ONG e na ‘favela’ referendada; e, fontes secundárias, como mapas e documentos sobre Florianópolis, a Vila Aparecida, a ONG e a família das crianças. O principal procedimento investigativo utilizado foram as “oficinas de teatro”, que oportunizaram o alcance e a analise dos dados. Cabe ressaltar que as peças teatrais foram construídas e dramatizadas com o auxílio de todas as crianças, essa participação foi de fundamental importância, principalmente no momento da elaboração das peças, momentos que ofereceram espaço para o dialogo para discutir sobre o modo como se vive na ‘favela’ Vila Aparecida. No decorrer do processo foram construídos os textos das peças, os quais resultaram num total de seis peças teatrais que trouxeram as seguintes temáticas: drogas; desemprego; violência; saúde; família/mãe e direitos de criança. Dentre essas peças, foram analisadas três delas, o que corresponde a 50% da amostra. Importante salientar também, que para analisar essa experiência, foi construído um diário de campo, banco de imagens das filmagens e fotos registradas pela pesquisadora durante toda a experiência.

RESULTADOS:

Através das peças criadas pelas crianças foi possível captar de maneira sutil as apropriações que as crianças fazem do meio em que vivem. A criança, desde os primeiros anos de vida, junto à família e no espaço onde vive, aprende os códigos lingüísticos do meio, conversas com adultos e outras crianças, conhece objetos, adquire informações, imita comportamentos e adquire experiências importantes para a construção da trajetória de sua vida. Essas vivências e aprendizagens são processos individuais que cada um internaliza e representa em determinados espaços que convivem, seja na escola, na ONG, na família entre outros tantos espaços que as crianças circulam. As apropriações detectadas dizem respeito aos olhares que as crianças tem sobre as situações cotidianas que envolvem as drogas, a dinâmica familiar e as conseqüências do desemprego. Assim, as crianças revelaram certa naturalização para os problemas da sociedade, apresentaram dificuldade de imaginar e fantasiar de forma lúdica, apontaram na sua maioria ter uma postura unilataral para resolver conflitos, demonstraram o imenso significado da figura da mãe para o sustento e segurança familiar, expressam-se muito mais pelo corpo do que pela fala, são extremamente ágeis e inteligentes. Essas são algumas das apropriações detectadas neste grupo singular, que poderão vir a auxiliar professores a ficarem mais atentos ao planejar suas atividades, isto é, que levem em conta as necessidades de desenvolvimento que o seu grupo apresenta.

CONCLUSÕES:

Este trabalho mostrou que as experiências, as habilidades, os conhecimentos de uma criança ou de uma classe, produzidos no seu lugar social, são manifestações de intenso significado pedagógico. A escola seria o ponto de referência formal para a construção do saber, mas não o único. Existem outras instâncias onde o saber é produzido e reproduzido. Como toda cultura tem suas regras, sua linguagem própria, seus valores - não é jamais vazia, além do que, é constituída por pessoas com histórias de vida. Foi possível perceber a importância de valorizar a cultura de origem da criança para ampliar a construção do seu conhecimento escolar. A proposta é de que o professor e a escola sejam capazes de se colocar, no ponto de partida, dentro da realidade da criança. Precisamos enxergar além da indisciplina, da evasão/repetência e da violência, precisamos afinar nosso olhar para perceber os valores, os saberes e a cultura. Acolher e escutar são duas ações elementarmente humanas de reciprocidade e solidariedade”. Existe um outro caminho possível para melhorar o atendimento pedagógico com essas crianças. Um caminho intermediário que começaria por algumas mudanças imateriais, isto é, de postura e mentalidade dos professores, um  profissional que esteja atento às questões e as relações que envolvem o espaço urbano em que a criança vive.

Instituição de fomento: Universidade do Sul de Santa Catarina - UNISUL
 
Palavras-chave: educação não formal; arte-educação; planejamento educacional.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006