O Programa Classes Abertas, em suas dez etapas, tem considerado as salas de aula do ambiente acadêmico das universidades e das escolas públicas espaços que devem buscar alternativas concretas para reduzirem o apartheid que divide as classes sociais nos centros urbanos. Muitas vezes o conhecimento científico incluso nos desenhos curriculares de diferentes carreiras reveste-se de soluções teóricas onde as práticas profissionais sonhadas idealizam uma sociedade responsável em que a infância está alimentada e educada em sua plenitude. No entanto, o que se observa no cotidiano é a necessidade de intensificar a troca de saberes entre universitários e crianças das escolas públicas localizadas em periferias de baixa renda, marginalizadas nas proximidades de condomínios fechados. Estes atores poucas vezes se entrecruzam para articularem o que aprendem, constroem ou desconstroem com suas pesquisas, trabalhos em grupos ou individuais. O trabalho planejado e implementado nas aulas de Metodologia da Pesquisa do curso de Psicologia envolve outras carreiras. Os estudantes são desafiados a pesquisarem e relacionarem teoria e prática com responsabilidade social, atuando em escolas públicas com o objetivo de participar na construção de seus projetos político-pedagógicos, trocar conhecimentos e experiências com as crianças, articular ensino, extensão e iniciação à pesquisa, realizando atividades que estimulem as inteligências de seus atores, adotando procedimentos de pesquisa.

As ações desenvolvidas rompem com a tradição de que as carreiras universitárias com passaporte para atuar nas escolas são as que oferecem licenciatura. A proposta é coordenada pelo Curso de Psicologia, mobiliza estudantes de 12 distintas carreiras, incluindo o bacharelado. A metodologia compromete-se com as funções indissociáveis de ensino, pesquisa e extensão porque: (a) planeja suas atividades durante as aulas de Metodologia da Pesquisa; (b) interage com a comunidade, através de vivências concretas nas escolas públicas e (c) aplica procedimentos de iniciação científica nas atividades de campo, destacando-se observação, entrevista, questionários e formulários. Apóia-se nos fundamentos da teoria de GARDNER (1983), no conceito de ajuda emancipatória de VYGOSTSKY (1978) e na proposta de ciência cidadã apresentada por SOUZA SANTOS (2000). A metodologia engloba duas formas de trabalho: (a) planejamento cooperativo com a equipe escolar e com os estudantes que prestam serviços nas escolas públicas parceiras e (b) orientação acadêmica para os grupos que realizam trabalhos de iniciação à pesquisa. Encontros de sensibilização, planejamento e acompanhamento, visitas semanais às escolas públicas, orientações pedagógica e acadêmica para os alunos envolvidos no projeto são as principais ações. O trabalho é interinstitucional e tem como sujeitos participantes professores, estudantes da graduação, crianças e professores receptivos das escolas públicas.

A convivência com as crianças no cotidiano das quatro escolas públicas parceiras tem aproximado os universitários da realidade social e contribuído para conscientização dos mesmos sobre a importância da responsabilidade social de cada profissão, o que tem sido constatado nas avaliações e na demanda interessada em participar. Foram desenvolvidas dez etapas semestrais consecutivas, envolvendo 412 universitários que atuam diretamente com 3148 crianças e 54 professores receptivos. A continuidade do trabalho e as possibilidades de vivências de pesquisa contam com a avaliação favorável das equipes das escolas municipais e com o trabalho das equipes multidisciplinares da graduação, atuando diretamente nos currículos das escolas e participando de atividades educativas que estimulem as múltiplas inteligências das crianças. Dentre os trabalhos acadêmicos realizados pelos participantes aplicando procedimentos de iniciação à pesquisa, destacam-se: (a) Violência urbana e o imaginário das crianças sobre o desarmamento; (b) Trabalho voluntário na escola: visão de professores e alunos; (c) O sorriso na percepção das crianças; (c) Monografia sobre metodologia de projetos e suas aplicações no Classes Abertas; (d) Estudo e acompanhamento das crianças da turma de progressão; (e) Múltiplas inteligências nas classes de progressão; (f) O que as crianças gostam e o que não gostam na escola e (g) Expectativas de vida de crianças que freqüentam associações tutelares de menores.

O fortalecimento acadêmico junto às escolas parceiras resulta de dois fatores: planejamento participativo, continuidade e prestação de contas e avaliação de seus resultados junto às equipes escolares. Os participantes vêm mapeando as atividades de acordo com as múltiplas inteligências: pessoal (intra e inter), cinestésica, musical, espacial, lógico-matemática, lingüística e naturalista. O interesse dos universitários em participar de projetos de responsabilidade social junto às escolas públicas é quantitativa e qualitativamente expressivo e tem gerado diversos sub-projetos de iniciação científica. A participação e o engajamento dos professores receptivos têm sido fundamentais para superarem dificuldades acadêmicas e gerenciais. A opinião das crianças tem estimulado a busca de superação das dificuldades como falta de tempo, acúmulo de tarefas, deslocamentos de uma instituição para outra, necessidade de agilizar as providências em sintonia com os calendários e prazos acadêmicos das instituições educacionais envolvidas. As atividades realizadas nas escolas públicas têm ampliado o olhar do universitário sobre as potencialidades das crianças e contribuído para formação de ambos, o que tem justificado sua continuidade.

Trabalho de Iniciação Científica