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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 11. Ensino-Aprendizagem

COMO TRABALHAR RELAÇÕES RACIAIS COM CRIANÇAS DAS SÉRIES INICIAIS: UMA PESQUISA – AÇÃO EM UMA ESCOLA DA PERIFERIA DO RECIFE

Elizama Pereira Messias 1
Maria Guiomar da Cunha Veríssimo 1
(1. Universidade Federal de Pernambuco)
INTRODUÇÃO:

Muitos problemas presentes na sociedade, como o racismo, também se manifestam dentro da escola assumindo configurações próprias que afetam a vida de toda comunidade escolar. Escola e sociedade estão intimamente relacionadas. O que ocorre fora da escola causa impacto nela e a maneira como estas questões são tratadas no seu interior pode influenciar o contexto social mais amplo. Na escola o racismo se manifesta através do comportamento discriminatório de alunos, professoras/es, pais e funcionários e através dos materiais pedagógicos, mais especificamente dos livros didáticos. Como resultado temos, o baixo rendimento das crianças negras que por causa dessa discriminação se sentem inferiorizadas. Levando em consideração estas questões realizamos uma pesquisa-ação em uma escola pública da periferia da cidade do Recife.  O objetivo deste trabalho foi realizar uma intervenção pedagógica em uma turma da referida escola sobre discriminação racial e a partir da análise dessa experiência apontar caminhos para uma educação que respeite a diversidade étnico-racial, refletindo sobre qual a melhor maneira de abordar esse tema com crianças das séries iniciais. Este trabalho tem sua importância na medida em que ao promover discussão sobre a temática com as crianças concomitantemente se propõe a refletir sobre as estratégias didáticas utilizadas contribuindo assim para a reflexão sobre a prática docente e formação de professores.

METODOLOGIA:

Numa primeira etapa do trabalho realizamos um estudo sobre a comunidade em que a escola está inserida através de visitas, conversas com moradores e consulta aos dados sobre o bairro divulgados pelos órgãos públicos. Num segundo momento, realizamos uma diagnose com algumas turmas da escola através de observação do comportamento dos alunos no que se refere à questão racial e do depoimento de professores. Em seguida, partimos para o trabalho pedagógico que foi realizado em uma turma com vinte e oito crianças com idade entre nove e dez anos, estudantes da quarta série do Ensino Fundamental da escola Municipal Professor José da Costa Porto. O trabalho com as crianças incluiu pesquisas, utilização de literatura infantil, análise coletiva de situações do cotidiano onde a discriminação se manifestava, debates e dinâmicas de grupo. Neste momento coletamos o depoimento das crianças através das rodas de conversa, dos textos produzidos e de uma entrevista estruturada que foi gravada com parte da turma contendo as seguintes questões: o que é preconceito? O que é discriminação? Qual a diferença entre os dois conceitos? E o que fazer para acabar com o preconceito e a discriminação?Numa última etapa nos debruçamos sobre o material coletado, onde analisamos o discurso das crianças expresso através dos textos orais e escritos produzidos no decorrer das atividades. Para tanto, foi feita definição de categorias e realizada a análise a luz do referencial teórico pesquisado.

RESULTADOS:

 

A comunidade onde o trabalho foi realizado, o Coque, é uma das maiores favelas da periferia urbana do Recife. A escola Municipal Professor José da Costa Porto é a maior escola da localidade e nela as crianças passam boa parte do seu dia, porém a situação de discriminação perdura mesmo dentro do ambiente escolar. A partir dos textos escritos pelas crianças foi possível perceber que estas reconheciam ter vivenciado a discriminação racial tanto como agressoras quanto como vítimas emitindo juízos de valor a cerca desta experiência.  Nas entrevistas todas as crianças utilizaram exemplos para conceituar preconceito e discriminação, fazendo referência aos apelidos. Todos afirmaram que preconceito e discriminação são coisas diferentes, mas não souberam explicar a diferença. Ao serem perguntados sobre o que fazer para acabar com o preconceito e a discriminação algumas crianças reconheceram que a discriminação racial é um crime precisando ser punido. Outras crianças apontaram que o caminho é orientar as pessoas para que não discriminem. No que se refere ao comportamento, as crianças passaram a valorizar mais a cultura afro-brasileira se auto-afirmando. As situações imediatas de conflito por causa dos apelidos também foram minimizadas. Com isso compreendemos que através de um trabalho contínuo e planejado é possível promover boas discussões entre as crianças, contribuindo para a diminuição da discriminação e elevação da auto-estima destas.

CONCLUSÕES:

A escola não é neutra. Ela é capaz de reproduzir a discriminação racial de várias maneiras, mas também é capaz de contribuir para uma convivência pacífica entre as várias etnias. Os nossos objetivos foram realizar uma intervenção pedagógica e refletir sobre essa experiência de maneira a contribuir para a ação de outros educadores. Com esta reflexão percebemos que trabalhar os conceitos de discriminação e preconceito é importante, mas é preciso associar estes a exemplos do cotidiano. Ultrapassando, assim o viés dos apelidos, muito enfatizado pelas crianças e tentando mostrar que a discriminação racial gera desigualdades. Constatamos a importância de partir das experiências vivenciadas pelas crianças, pois a partir do discurso elas expõem suas concepções, suas vivencias e se posicionam sobre o assunto. Com a realização deste trabalho compreendemos que é possível trabalhar sobre o racismo  com atividades diversificadas, desde que alguns eixos temáticos não deixem de ser abordados tais como, identidade étnico-racial, história da África, os africanos no Brasil e o que é preconceito e discriminação racial no contexto brasileiro e mundial. Por fim, o trabalho com este tema nos coloca diante do compromisso que cada um de nós assumimos com a luta pela igualdade, pois, como diz Paulo Freire pensar certo é a rejeição mais decidida a qualquer forma de discriminação e isso só é possível quando não nos omitimos e fazemos da sala de aula um campo de pesquisa.  

 

 

   

 
Palavras-chave: Discriminação racial; Relações Raciais; Reflexão sobre a prática.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006