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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
SERVIÇOS RESIDENCIAIS TERAPÊUTICOS MORADA SÃO PEDRO: PROCESSOS DE SUBJETIVAÇÃO E TERRITÓRIOS DE VIDA
Felipe Wachs 1
Camila Jardim 2
(1. Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2. Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul)
INTRODUÇÃO:
As últimas duas décadas foram marcadas por um fortalecimento do movimento anti-manicomial no Brasil. Em 1992 foi aprovada no estado do Rio Grande do Sul a lei 9.716 referente à Reforma Psiquiátrica que serviu de referência para outras legislações estaduais e para legislação federal. O conjunto de leis, portarias e decretos que constituem a Reforma Psiquiátrica prevê o progressivo desmanche dos hospitais psiquiátricos e sua substituição por uma rede de atenção integral à saúde dos portadores de sofrimento psíquico. Entre os recursos que compõem esta rede de saúde está o Serviço Residencial Terapêutico (SRT), uma proposta da reforma psiquiátrica que oferece um modo de habitar que investe nas potências dos portadores de sofrimento psíquico, aposta na sua convivência urbana e busca concretizar o fim dos manicômios. Em dezembro de 2002 são inaugurados os Serviços Residenciais Terapêuticos Morada São Pedro em Porto Alegre como recurso para desinstitucionalização de pacientes moradores do principal e mais antigo Hospital Psiquiátrico do estado do Rio Grande do Sul. A pesquisa que aqui apresentamos foi desenvolvida durante os anos de 2004 e 2005, aborda a mudança (transição) de moradores do Hospital Psiquiátrico para os Serviços Residenciais Terapêuticos e está dividida em dois grandes eixos: processos de subjetivação de usuários em transição e processos de subjetivação dos trabalhadores envolvidos.
METODOLOGIA:
A metodologia adotada é de pesquisa-intervenção que toma por referencial a análise institucional francesa (Lourau, 1995) e é baseada numa argüição que desmancha territórios constituídos e convoca a criação de outras instituições, onde o que interessa são os “movimentos” não definidos a partir de ponto de origem e um alvo a ser atingido, mas como processo de diferenciação. Utlizamos as seguintes técnicas durante a pesquisa: diário de campo, entrevista, assembléia, observação, acompanhamento terapêutico, grupo de estudo e reflexão, oficina e seminário de devolução. O tratamento dos dados obtidos em nossa pesquisa foi realizado a partir de dispositivos analisadores que emergiram dos processos de subjetivação de usuários e trabalhadores e da análise de implicação dos pesquisadores. O dispositivo analisador é um evento ou acontecimento que por condensar questões políticas, afetivas, conflitivas do grupo traz à tona dimensões de seu cotidiano dificilmente exploradas. Por apontarem rupturas no instituído e “brechas” na homogeneidade dominante os analisadores permitem vislumbrar saídas criativas e nem sempre construídas artificialmente como indica a célebre frase de Lapassade (1983) “é o analisador que realiza a análise”. A análise de implicação é a permanente análise do impacto que as cenas vividas têm sobre a história do pesquisador e sobre o sistema de poder que legitima o instituído, incluindo aí o próprio lugar de saber e estatuto de poder do “perito pesquisador” (PAULON, 2003).
RESULTADOS:
Destacamos no processo da pesquisa alguns dispositivos analisadores que anunciaram movimentos importantes nos processos de subjetivação e nos territórios de vida dos usuários em transição do hospital para o SRT. São eles: a idealização de um perfil de usuário, discurso que é assumido pelos mesmos, que necessita, obrigatoriamente realizar sozinho todas as atividades implicadas com o habitar uma casa; o espaço dispositivo ocupado pelo SRT que disparou o desejo de realizar atividades diferentes e adquirir objetos pessoais; a segurança dos usuários em transição de que a escolha pela mudança seria sua e que seu sentimento de ambivalência seria respeitado; a valorização atribuída a singularização do seu viver em contraponto ao trato massificado do hospital psiquiátrico; a dificuldade, e ao mesmo tempo o desejo, de apropriação de um espaço como seu após tantos anos de institucionalização; a assunção gradativa de funções domésticas como cozinhar e o encontro de alternativas para lidar com o cotidiano de uma casa, como contratar uma diarista. Os analisadores destacados nos processos de subjetivação dos trabalhadores são: equipe ocupando o papel de família; sentimento de estar “apagando incêndios” toda hora em função da grande demanda dos usuários do serviço; extinção do plantão noturno e constituição de uma equipe única; apropriação de uma forma de trabalhar que foi consolidade com apresentações em eventos; construção/definição de um trabalho coletivo e de um trabalho individual.
CONCLUSÕES:
Constatamos com o desenvolvimento da pesquisa que o processo de transição é tomado pelo Morada como seu grande desafio. O desafio de possibilitar uma transição que diz respeito à transferência de moradores de um espaço manicomial para um outro habitar, diz respeito à criação e consolidação de novos paradigmas de cuidado, à apropriação de novos territórios subjetivos, novos territórios de vida. A transição é um processo que não inicia nem acaba com a mudança para a casa. Vivemos durante a pesquisa um trabalho que se volta para o desejo dos atores sociais envolvidos. O desejo dos usuários que é resgatado e potencializado, o desejo de uma equipe que luta constantemente para ampliar seus territórios de intervenção e o desejo dos pesquisadores de contribuir no processo de desinstitucionalização através de um trabalho de reflexão e mudança. Todos caminhando em direção a construir territórios subjetivos que produzam diferenças, trazendo à tona a marca da singularidade. O cuidado emancipatório pôde ser visualizado no trabalho de transição através do respeito aos tempos dos usuários, do respeito à ambivalência, do resgate da potência em uma voz que pôde anunciar escolhas. Acompanhamos um trabalho onde o protagonismo é a marca desinstitucionalizante proporcionado pelo transitar por novos territórios que propiciam novos agenciamentos, composição de redes, ou seja, criam-se novos processos de subjetivação.
Instituição de fomento: Rede CEDES/ESEF/UFRGS
 
Palavras-chave: Saúde Mental; Território; Serviço Residencial Terapêutico.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006