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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 18. Educação
UM CONTO E MUITAS HISTÓRIAS: A FORMAÇÃO DO LEITOR
Meylí Moraes de Oliveira Lima 1, 2
(1. Metodologia de Ensino, Centro de Educação/MEN-CED-UFSC; 2. Núcleo de Educação Intercultural e Movimentos Sociais/MOVER-UFSC)
INTRODUÇÃO:

O alvo deste trabalho é a constituição do leitor denominado, aqui, ouvinte-leitor-ativo. Parto da constatação de que a experiência de leitura promovida na escola, na maioria das vezes, é desprovida de sentido; gerando uma falsa leitura. No geral, as crianças identificam as letras e as palavras; mas não atribuem sentido ao que lêem.

Ler é uma atividade de decodificação ou, como diz Barthes & Compagnom (1987), ler é desarmazenar, abrir um depósito no momento escolhido. Tal abertura não ocorre do nada; uma ação efetiva deve promovê-la. Propor a interface literatura e outras formas artísticas é permitir o entrelaçamento do real e do imaginário, ou como diz Lajolo (1993), é caminhar "do mundo da leitura para a leitura do mundo" e vice-versa. Assim, as formas artísticas são o veículo através do qual o leitor busca, em seu próprio cotidiano e em si mesmo, elementos siginificantes que permitirão o ressoar da obra literária dentro dele. Este entrelaçamento permite ao leitor-ouvinte sair do papel de passividade e participar da história com o seu conhecimento, com a sua história de vida e de leitura a qual acaba por construir sua história de "autor".

Desta forma o objetivo deste trabalho foi demonstrar a possibilidade do uso da literartura de tradição oral na constituição do ouvinte-leitor-ativo.

METODOLOGIA:

Deste projeto participaram crianças das quatro primeiras séries iniciais do ensino fundamental, pertencentes à comunidade da Escola Superior “Luiz de Queirós”/ USP. Todas freqüentavam o ensino formal em período oposto ao do projeto. Durante um ano nos encontramos duas vezes por semana e compartilhamos 6 horas de trabalho semanais. O conto escolhido para o trabalho foi "A Princesa de Bambuluá", recolhido por Câmara Cascudo.

Após a escolha do texto e paralelo a preparação da narração, iniciou-se o estudo do mesmo. Elementos significativos foram separados e analisados, personagens foram listadas, climas, emoções e temas presentes foram percebidos e definiram as atividades e as técnicas que foram propostas. Este procedimento permite a transcodificação, ou seja explicita como caminhar para uma forma artística através de outra; permitindo um constante entrelaçamento. As atividades e as formas artísticas não perdem sua individualidade; pois uma atividade surge para ampliar a outra, não para explicá-la. "A Princesa de Bambuluá" foi contado inteiro no início e no fim do trabalho, entremeado de narrações por partes.

A cada encontro as crianças participaram de atividades artísticas; encontrando na convivência com as várias linguagens simbólicas matéria-prima para suas criações. Os conteúdos percebidos articulavam-se na composição de um texto, o qual vinha do desenho que, por sua, vez nascia no jogo dramático.

RESULTADOS:

Atividade terminada, tempo de rever o que foi feito, relembrar os processos, reler anotações feitas; ou seja, analisar processos e produções. O ato de observar e analisar uma obra produzida, um material de expressão, não é um ato de avaliação, antes e primordialmente, é a possibilidade de reviver a situação com algum afastamento, é um estado de “contemplação”, de ver aquilo que se revela. Foi, portanto, neste procedimento que se desvelaram, para mim, as evidências trazidas aqui.

As atividades desenvolvidas foram espaço e tempo de sínteses das muitas leituras acontecidas. Novos personagens, novas soluções e paisagens passaram a habitar "A Princesa de Bambuluá", vindos ora dos desenhos, ora das produções de textos, ora do teatro e da música; presentes nas .propostas individuais e coletivas.

Dessa maneira, à medida que as crianças realizavam as atividades propostas, construiam os processos de significação do conto, nestes momentos eram escritoras ao mesmo tempo que ouvintes. Quando, numa das últimas atividades, propus que mandassem o conto por telegrama, disseram-me que era impossível fazer isto. “A história estava grande demais”. Estavam corretas. Desde que "A Princesa de Bambuluá" havia saído do livro não tinha parado de crescer, de transformar-se, de misturar-se com as histórias reais vividas no dia a dia e as muitas inventadas. O texto cresceu da primeira à última atividade através das teias de significados que cada uma pôde tecer.

CONCLUSÕES:

Este trabalho evidenciou a heterogeneidade presente na leitura de um conto. Da possibilidade de plurissignificação nasceu o ouvinte-leitor-ativo. A oportunidade de contato com o mundo próprio _ oferecida nas muitas atividades e leituras _ trouxe à cada leitor uma experiência pessoal com o conto.

Além disso, a observação dos resultados alcançados tornou evidente a importância da atitude sincera do educador; ou seja, o reconhecimento de que a escolha da obra literária e a preparação das atividades começa pela sua disponibilidade interna de viver o conjunto dos encontros como uma experiência significativa.

 
Palavras-chave: leitor; literatura oral; séries inicias.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006