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A. Ciências Exatas e da Terra - 3. Física - 2. Ensino de Física
A INFLUÊNCIA FRANCESA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA NO FIM DO SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX.
Roberto Bovo Nicioli Junior 1
Cristiano Rodrigues de Mattos 1
(1. Universidade de São Paulo)
INTRODUÇÃO:

Nas últimas décadas o livro didático tem despertado o interesse de muitos pesquisadores. Depois de ter sido considerado por bibliógrafos, educadores e intelectuais de vários setores como produção menor enquanto produto cultural, o livro didático começa a ser analisado sob várias perspectivas pelos educadores (BITTENCOURT, 2004).

         No Brasil, a produção de livros didáticos tem data certa. Com a chegada da família real, em 1810, alguns livros forma impressos pela imprensa régia. Em 1822 um grande número de autores estrangeiros passaram a se ocupar da produção nacional e das políticas de importação. Isso se deveu ao fato do preço do papel e da tinta brasileiro variarem muito, daí a opção dos autores pela impressão de obras na Europa. Segundo Bittencourt (2004, 482) “as marcas editoriais francesas, em especial, foram se consolidando em razão de nossa dependência das técnicas de produção e das políticas de importação”. O que também tornou a influência européia muito presente em nossos livros didáticos foi o fato de “termos nos baseado durante muitos anos nas propostas curriculares da França e também pela relação das casas editoriais brasileiras com este país...” (BITTENCOURT, 1997).

         Sendo assim o século XIX e o início do século XX foi um período decisivo na determinação das obras brasileiras. Procurando evidenciar esse fato, este trabalho tenta mostrar um exemplo da relação dos livros didáticos nacionais de Física desse período com livros didáticos franceses da mesma época.

METODOLOGIA:

Para o levantamento dos livros didáticos aqui analisados foi realizada uma busca na Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (BLD-FEUSP), onde se encontra o Banco de Dados LIVRES – Livros Escolares Brasileiros (1810 – 2005). O projeto inicial do Banco de Dados LIVRES foi feito através de um convênio com o Instituto Nacional de Recherche Pedagogique da França (INRP), integrado à rede EMMANUELLE, criado por Alain Choppin pesquisador do INRP e hoje já conta com mais de 5000 livros cadastrados.

         Afim de obter um rigor maior nas pesquisas forma analisados somente livros de Física com um grande número de edições. Os livros brasileiros são: GUEDES, J. R. (1868), NOBRE (1904), GOUVEIA, N. (1907). Os franceses são: GANOT, A. (1887), LANGLEBERT, J. (1892), GANOT, A. (1894), BRANLY, E. (1914).

            Foram analisados os índices de todos os livros afim de observar o padrão de apresentação do conteúdo para, então, compará-los. Em busca de um maior aprofundamento na pesquisa foram analisados os conteúdos das noções preliminares e propriedades gerais da matéria buscando identificar possíveis semelhanças na abordagem do conteúdo. Dessa forma, além da relação entre os livros, pretende-se comparar os currículos da época já que “o livro é, entre outras coisas, um depositário de conteúdos (...) elencados pelas propostas curriculares. Ele realiza a transposição do saber acadêmico para o saber escolar no processo da explicitação curricular” (BITTENCOURT 1996, 392).
RESULTADOS:

Analisando os índices dos livros pode-se observar um certo padrão na apresentação dos conteúdos de Física. Para os livros franceses foram elencados os seguintes tópicos: noções preliminares, propriedades gerais da matéria, noções de mecânica (cinemática, estática e dinâmica), hidrostática, pneumática, hidrodinâmica, acústica, ótica, calor, magnetismo, eletricidade, meteorologia e climatologia. Nos livros brasileiros foram elencados os seguintes tópicos: noções preliminares (propriedades gerais da matéria e mecânica – cinemática e dinâmica), ponderabilidade, barologia, acústica, termologia, ótica, electrologia e magnetismo.

         Na análise do conteúdo das propriedades gerais da matéria foram observados que os seguintes conceitos são trabalhados nos livros brasileiros e franceses: extensão, impenetrabilidade, divisibilidade, porosidade, compressibilidade, elasticidade, mobilidade e inércia. Além desses, no tópico noções preliminares, são discutidos conceitos sobre fenômenos físicos e químicos, divisões da física, corpos simples e compostos, estados da matéria, conservação de matéria e método experimental.

            Por essa comparação é possível observar a inspiração dos autores brasileiros para a edição de suas obras. Além disso, muitas definições se assemelham a livros franceses. Por exemplo, no livro de NOBRE (1904) para a definição do conceito de “método experimental” são usados os mesmos termos (observação, experiência e contra-experiência) do livro de GANOT (1894).
CONCLUSÕES:

Com esses exemplos fica evidente que os livros brasileiros de Física sofreram forte influência européia no século XIX e início do século XX, período em que as obras usadas no ensino brasileiro deixaram de ser traduzidas e passaram a ser editadas por autores brasileiros. Dessa forma é justificável questionar se foram só os livros didáticos de Física ou também de outras disciplinas influenciados pelos padrões franceses.

         Um dos fatores dessas semelhanças é devido os currículos brasileiros serem traduzidos dos currículos estrangeiros (principalmente franceses) sendo os conteúdos elencados nos livros aqui analisados uma evidência clara dessa ligação. Foi observado também que não só os conteúdos trabalhados apresentavam semelhanças, mas que muitos autores se baseavam em obras estrangeiras para desenvolver os conceitos sendo, muitas vezes, o conteúdo dos tópicos um “resumo” dos livros franceses.

            Dessa forma pode-se concluir que esse período foi decisivo no perfil dos livros didáticos de Física brasileiros, sendo caracterizada a forma de expor a ciência nessa época. A partir daí, o conteúdo foi se modificando onde muitos deles foram extintos e outros expandidos. Essas alterações se devem ao fato dos currículos sofrerem mudanças para se adaptarem às necessidades e tendências dominantes da época já que, como foi observado, o perfil das obras brasileiras não eram adaptados aos padrões nacionais (NICIOLI & MATTOS, 2005).
 
Palavras-chave: livro didático ; ensino de ciências; Física.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006