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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 5. Teoria Literária
A FUGA PARA O OPOSTO: CAMINHOS DA TRANSGRESSÃO EM CLARICE LISPECTOR
Jane Pinheiro de Freitas 1
(1. Universidade de São Paulo - USP)
INTRODUÇÃO:

No decorrer dos anos a crítica tem apontado inúmeras vertentes de ruptura na obra de Clarice Lispector, seja no que diz respeito à construção das personagens ou ainda à questão de gênero literário, os caminhos da autora são quase sempre de fuga e transgressão: “Inútil querer me classificar: eu simplesmente escapulo não deixando, gênero não me pega mais” (LISPECTOR, 1973). As personagens femininas do universo clariceano passeiam pelas ruas com o ofício de buscar o oposto para desvendar a si mesmas, e foi partindo desse fio de transgressão e fuga que surgiram os primeiros indícios para nossa pesquisa.

Se nos debruçarmos sobre a obra da autora é possível nos deparar com uma inquietação: o fato de as personagens femininas talhadas pela autora estarem quase sempre um passo à frente de seu tempo, a questionar, ainda que sucintamente, os costumes sociais e conjugais que espreitavam e condicionavam a mulher. Através de pensamentos e atitudes essas personagens rompiam com a vida costumeira e por alguns momentos construíam uma outra realidade, observamos o referido aspecto em duas personagens femininas criadas nas décadas de 40 e 60: do livro A bela e a fera (1977) estudaremos a protagonista do conto “A fuga”, a quem o narrador se refere apenas como “ela”, cuja  intenção é uma suposta viagem de navio com a finalidade de se libertar do próprio destino; e de A legião estrangeira, Sofia, a menina travessa cujas brincadeiras são comparadas às de um “menino”, no conto “Os desastres de Sofia”, ela vive em busca de tesouros escondidos além dos estreitos espaços femininos.

METODOLOGIA:

O estudo foi estruturado com base em pesquisa bibliográfica das obras da autora, leitura de alguns textos da crítica, assim como textos de psicanálise. Estabelecendo ligações entre literatura e sociedade, pesquisamos as décadas de 40 e 60 com o intuito de justificar as atitudes transgressoras cometidas pelas personagens da autora.  Foi possível constatar a importância da obra de Lispector para a construção do questionamento, através da personagem, da mulher para quem a sociedade traçava um caminho estreito e cheio de regras, e a condição para trilhá-lo era ser conduzida pela mão de um homem, que seria o pai ou marido. As aflições e anseios da personagem são pontos marcantes da escrita clariceana, a voz que brada constante no interior de cada uma delas pode ser vista como uma espécie de denúncia do conflito interior entre destino e liberdade.

Há muito que em nossa sociedade prevalece o ponto de vista masculino sobre os aspectos comportamentais, até mesmo o conceito que definia o universo feminino era formulado pelos homens. Após os movimentos feministas da década de 60, isso se modificou e a mulher foi aos poucos reconstruindo seu papel na sociedade, com esses movimentos houve “um rigoroso exame que veio alterar substancialmente as antigas concepções, mitos e estereótipos acerca da mulher” (ROCHA-COUTINHO,1998). A família patriarcal se formou em volta da iniciação masculina opondo-se à alienação feminina, em que somente ao homem era permitido acesso a determinados ambientes sociais, às mulheres cabia apenas a total submissão e zelo com a vida dos filhos e marido. A rua representava lugar de proibição para ela, pois havia a ameaça de confrontar-se com situações ou pessoas que podiam roubar-lhe o “virtuosismo”. 

No eixo da psicanálise é possível dizer que algumas personagens de Lispector agem mais ativamente, e por momentos deixam de lado a passividade destinada ao feminino. Freud afirma que o masculino está ligado ao ativo e que o feminino tem maior tendência a ser passivo, e cada ser possui um teor de masculinidade e feminilidade, cujo desenvolvimento dependerá da situação em que se encontre, “como se um indivíduo não fosse homem ou mulher, mas sempre fosse ambos” (FREUD, 1976).

RESULTADOS:

Foi possível constatar através de nossa pesquisa as diferentes abordagens do tema da transgressão na escrita de Lispector, assim como as várias manifestações da ruptura como necessidade de libertar-se do destino. É nessa tentativa que as personagens ressaltam uma certa “masculinização” que as leva a serem por momentos condutoras do próprio destino.

CONCLUSÕES:
Pensamos ser de muita importância para a crítica da autora um estudo que tenha como objetivo retratar esse processo enquanto transgressão, em que a personagem mergulha por instantes em um mundo que não é seu, um estado de estranhamento, ela é desconhecida para si mesma, o que a leva para o caminho do oposto.
 
Palavras-chave: feminino; transgressão; oposto.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006