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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 12. Psicologia
MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO: A LUTA POR ESCOLA PÚBLICA EM CARIACICA.
Ana Lúcia Coelho Heckert  1
Bianca Izoton Coelho 2
Fernando Giovannotti Dorsch 2
Ludmilla Ferraz Dias Vieira 2
Priscila Lopes Roldi 2
Rodrigo Santos Scarabelli 2
(1. Prof. Dra. do Departamento de Psicologia - UFES; 2. Alunos de graduação do curso de Psicologia – UFES)
INTRODUÇÃO:

A maioria dos estudos acerca dos movimentos sociais urbanos situa-se nos anos 80, havendo nos anos 90 um certo refluxo tanto no interesse dessa temática como campo de estudo, quanto no registro histórico das lutas e movimentos. Este refluxo tem corroborado para um certo esquecimento das conquistas obtidas pelos movimentos e contribuído para a opacidade das lutas cotidianas travadas pelas camadas populares. Observa-se um resfriamento e isolamento dos movimentos sociais abrindo espaço para o fortalecimento de práticas populistas e clientelistas que enfraquecem a esfera pública. Na escola pública, o isolamento e/ou resfriamento das lutas, tem contribuído para a intensificação do sucateamento da escola pública.

Consideramos a escola como um espaço fundamental de construção de saber, de troca de experiências e de possibilidade de construir outras perspectivas de vida, e sua existência material não se faz apenas por ações efetivadas pelo aparelho de Estado. Porém, ainda que a população empreenda diversas ações para garantir seu direito de acesso à escola pública, muitas vezes essas ações são invisibilizadas por ações governamentais, que se fazem de modo local, descontínuo, fragmentado e imprevisível, enfraquecendo assim as conquistas da população local.  Tendo isso em vista, o objetivo dessa pesquisa foi mapear movimentos de reivindicação por escola pública em Cariacica, identificando as estratégias utilizadas pela população neste processo.

METODOLOGIA:

Foram realizadas 15 entrevistas, sendo elas realizadas com representantes de movimentos sociais de e do sindicato dos profissionais de educação do Espírito Santo, lideranças comunitárias, lideranças religiosas – Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) — e profissionais da educação, envolvidos com a educação pública no município de Cariacica. A partir dos protagonistas dos movimentos sociais que se destacam no município, angariávamos contatos e informações sobre outros atores sociais pertinentes para a pesquisa. Foi elaborado um roteiro semi-estruturado contendo 26 questões abertas. As entrevistas foram realizadas individualmente ou em grupo, sendo gravadas e posteriormente transcritas. Para a análise dos dados utilizamos o instrumental teórico-metodológico da micropolítica (Deleuze e Guattari, 1996) que permite acompanhar os processos de luta por escola pública e as estratégias utilizadas pelos diferentes movimentos sociais por meio de entrevistas. A análise micropolítica não despreza o estado de coisas visível, ou seja, as formas já constituídas, mas entende que é necessário apreender o engendramento dos processos sociais em suas porosidades.

RESULTADOS:

As entrevistas apontam haver na década de 80 movimentos sociais expressivos que lutavam, não só pela garantia e construção de uma educação pública de qualidade, mas também por condições dignas de vida. Grupos como o de mulheres, as CEBs e as associações de moradores aglutinavam queixas e sugestões e traçavam estratégias de ação, como, passeatas, abaixo-assinados, ocupação de estabelecimentos públicos e pressões em representantes do governo local.

Entretanto, mudanças nas políticas de educação e governamentais trouxeram novos desafios a estes movimentos. A partir dos anos 90, ocorre à criação de canais institucionais de participação popular, como os conselhos de escola e as alianças de lideranças comunitárias com partidos políticos. Com isso, ocorreu burocratização das lutas, esvaziamento dos movimentos organizados, redução na iniciativa de novas movimentações, cooptação de lideranças pelos aparelhos estatais, aposta em modelos representativos de participação distanciando a população dos canais institucionalizados de decisão.

Diante disso, os movimentos se reconstruíram de maneira pontual, espontânea e por meio de ações organizadas e canais institucionais da política governamental. As estratégias envolvem levantamentos para verificar demanda, abaixo-assinados, participação no processo de escolha dos diretores, passeatas, reunião nos bairros com a participação de representantes do governo, denúncias e utilização das vias do clientelismo e populismo por parte da população.

CONCLUSÕES:

A escola é compreendida como de fundamental importância no enfrentamento das desigualdades sociais. Neste processo, o acesso à escola e a luta contra seu sucateamento tem sido objeto de movimentação da população em Cariacica.

As movimentações da população são procedimentos ativos contra as desigualdades sociais e a favor de novas possibilidades de vida. A urgência de invenção de saídas imposta pelas necessidades cotidianas parece acionar a produção de práticas que apostam na criação de ações conjuntas e coletivas como estratégias de embate contra o sucateamento da educação pública. Assim, frente aos desafios e dificuldades forjam-se laços de solidariedade e investimentos em ações coletivas como maneiras de angariar suporte, amparo e força nas reivindicações e negociações, reinventando suas existências no sentido apontado.

Essas batalhas muitas vezes se engendram de maneira difusa, fragmentária e pontual, embora consideravelmente ricas, intensas e relevantes para viabilizar conquistas nesse campo de lutas. Todavia, tal caráter desses embates, ao escapar do que tradicionalmente se considera e define-se como luta política e movimento social, não ganha visibilidade ou são apreendidos enquanto algo pouco significante e frágil em contraposição às expectativas de conquistas via movimentos organizados. Os resultados da pesquisa interrogam tais assertivas tendo em vista a riqueza dessas movimentações e as conquistas paulatinas que propiciaram.
Instituição de fomento: Facitec
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: movimentos sociais; educação; escola-pública.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006