Busca-se identificar e analisar desafios emergentes da prática de movimentos sociais e populares, mais especificamente da capoeira. Tomou-se como base empírica entrevistas semi-estruturadas com capoeiristas, realizadas no PERICapoeira (Curso Experimental de Formação de Educador@s de Capoeira na Perspectiva Intercultural).  O Curso foi realizado no período de abril à novembro de 2005, como campo empírico do projeto de pesquisa voltado à elaboração de subsídios para a formação de educadores na perspectiva intercultural. Entende-se que o conhecimento deve se dar de forma coletiva/ampliada/interdisciplinar, enfocando problemáticas significativas que envolvam processos de interação social na busca de soluções que atendam não somente a necessidades e interesses específicos de sujeitos e/ou grupos, mas que possam contribuir para soluções de problemas mais gerais que permeiam todo e qualquer processo de implementação de políticas culturais. Realizaram--se entrevistas com educadores populares, com o objetivo de se identificar, analisar e agrupar as questões emergentes na prática de ensino de capoeira. A análise possibilitou o levantamento de algumas problemáticas como a questão de gênero, pré-conceito, jogos de poder, subalternização, metodologias, linguagens, soberanias, entre outros que são próprios do universo da capoeira ou ocorrem também em outros movimentos sociais. Tal levantamento propiciou a identificação das questões tratadas, ou marginalizadas, ao longo do curso.

A metodologia baseou-se na construção de desafios emergentes vividos pel@s capoeiristas no seu contexto através da investigação-ação. Tal metodologia constitui-se como uma ação educativa baseada nos momentos de planejamento, ação, observação e reflexão. Busca-se abrir espaço para que educand@s e educador@s possam planejar, agir, observar e refletir juntos sobre os rumos das suas práticas educativas. Sob esta perspectiva realizamos, ao longo do curso entrevistas (com duração de 1 minuto), videogravadas com 40 capoeiristas, objetivando identificar a problemática emergente no campo da capoeira. As questões orientadoras da entrevista foram: Quais são os grandes desafios que @s capoeiras vêm enfrentando na sua prática no mundo da capoeira? Como a capoeira é vista na sociedade?  Como @s professor@s de capoeira reagem, que estratégias constroem para enfrentar os desafios que a sociedade coloca para el@s? Para a análise dos dados, as entrevistas foram transcritas e organizadas numa tabela composta por: nome do capoeirista; grupo de Capoeira ao qual pertence; tempo de prática de Capoeira; tempo de ensino de Capoeira; questões e respostas da entrevista e palavras-chave identificadas nas  respostas. Com base na tabela, identificou-se o perfil d@s entrevistad@s e agrupou-se respostas semelhantes e respostas singulares. Posteriormente, sistematizaram-se os resultados preliminares para a análise, estudo e levantamento dos temas emergentes formando, assim, um “banco” de questões.

As entrevistas possibilitam conhecer o universo da capoeira pel@s capoeiristas seja através do jogo e/ou arte, na sua filosofia e tradição ou em problemáticas sociais. Identificaram-se, então, 5 desafios principais: Valorização Social da Capoeira 7 respostas; União/Integração entre os Capoeiristas 4 respostas; Saberes e tradição na Capoeira 4 respostas; Metodologias 20 respostas; Respeito às diferenças 2 respostas; Banalização da Capoeira 3 respostas.  Para estas questões, @s capoeiristas apontam possíveis soluções como a troca de conhecimentos e práticas, elaboração coletiva de metodologias; união e interação entre grupos; apoio governamental; o próprio PERICapoeira;  resgate/contextualização da tradição, saberes da capoeira; incentivo a@s alun@s a interagirem com os movimentos sociais e culturais; trabalhos comunitários para compreensão da cultura capoeirana.  Com base nas respostas, identificamos questões de profundidade histórica, como a marginalização da capoeira, questões metodológicas que incluem peculiaridades educacionais, de valorização das culturas populares e tradicionais e ainda questões de gênero que se revela importante já pelo número reduzido de mulheres participantes do curso. Pôde-se, também, comparar os resultados da tabela com os principais conflitos do curso, levantando questões que não foram discutidas, as que levaram a alguma ação-transformação, ou mesmo as que @s capoeiristas, ao criticar, reproduziam.

Com essa pesquisa foi possível e é possível, a cada momento que nos debruçamos sobre os dados e as inquietações levantados com a mesma, refletir e analisar várias questões. A abrangência das temáticas emergentes no campo da capoeira possibilita relacionarmos essas questões com vários movimentos populares que, como @s entrevistad@s, buscam valorização aos aspectos culturais, à tradição, aos movimentos sociais, aos saberes populares não acadêmicos. Foi possível explicitar uma compreensão da capoeira como manifestação cultural e um exuberante campo de possibilidades, cuja trajetória histórica reflete importantes contradições que marcam a sociedade em geral e, mais especificamente, a sociedade brasileira. Assim percebe-se que as questões não dizem respeito só ao universo da capoeira como a questão de gênero, que não foi foco temático na entrevista e pouco discutido por parte d@s capoeiristas ao longo do curso revelando um campo de análise pouco explorado e que se relaciona a outras lutas sociais, a questão metodológica que nos permite discutir a o fazer educação buscando construir uma educação popular crítica e consistente, as questões de jogo de poder, existentes em diversas relações sociais. Enfim, as demandas que surgiram são muitas e o conjunto de possibilidades e de demandas, apontadas pel@s própri@s capoeiristas, se torna uma base para subsidiar diversas pesquisas e para se pensar, observar, refletir, planejar, agir e transformar a  realidade sociocultural em que vivemos.