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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira

POEMA SUJO: (DES)CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA; LINGUAGEM, CIDADE, COTIDIANO E CORPO NA EXPERIÊNCIA DO POÉTICO

Luciano Ferreira Nascimento  1
Maycko Pereira Passos  1
Jurnelei Dias Moraes  2
(1. Depto. de Comunicação Social, Universidade Federal do Maranhão, UFMA; 2. Orientador, Prof Depto. de Comunicação Social, Universidade Federal do Maranhão)
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem por objetivo analisar o livro a dinâmica existente no Poema Sujo de Ferreira Gullar e a sua relação com a memória. Escrito durante o tempo em que Ferreira Gullar se encontrava no exílio, o Poema Sujo, desde a sua publicação em 1976, foi classificado como um dos melhores poemas brasileiros do sec. XX. A temática de tal empreendimento poético é a narração condensada e selecionada pela memória do poeta de toda a sua trajetória, em especial, a parte de sua existência vivida em sua cidade natal, São Luís. Nesse poema de extrema beleza e clareza discursiva, pode-se perceber, através da substancia relembrada, alguns temas freqüentes na poesia de Ferreira Gullar, tais como corpo, cotidiano, linguagem entre outros. O que se verifica então, é que o Poema Sujo se configura como uma espécie de fala da memória, cuja substância reside no trabalho de percepção entre a aparência da substância lembrada e alguma relação do eu com essa aparência. Entre essas duas coisas existe a ação do tempo. O que se coloca em foco no presente trabalho é a problematização do caráter (des)construtor da memória em tal poema. Para tanto, analisamos as relações presentes nos poema entre cidade, linguagem, cotidiano e corpo, também recorrentes na poética de Gullar. A essa análise, combinamos os estudos bergsonianos e de Psicologia Social de Halbwachs a respeito da memória e de seu caráter social.
METODOLOGIA:
No Poema Sujo, a relação da memória vai ser delimitada pela necessidade estética e de expressão subjacentes à produção de um objeto artístico. O que significa que o fluxo da memória é ordenado pela necessidade de dar forma a esse objeto. No Poema Sujo, ocorre algo inusitado: há aquele que se cola a imanência dos fatos lembrados e há aquele que instalado no presente da elaboração poética, interpreta esses fatos. Ou seja, há um desdobramento de sujeitos. O trabalho com a leitura e a interpretação de tal poema tem um destaque muito especial nesse estudo. Essa constatação decorre do fato de que na poética de Ferreira Gullar existe uma grande preocupação com uma espécie de forma dialética, presente no poema quando este considera que ”uma coisa esta em outra” (GULLAR, 1991, p. 273). Essa riqueza em expressar a experiência cotidiana do “real” serve de partida para nossas indagações sobre a função e a ação da memória no poema. Da mesma forma que a realidade, a memória também é construída pelo sujeito, no seio de sua formação, daí ela possuir um caráter “social”, ou seja, ela é construída dentro das relações sociais. Por meio da interpretação das imagens contidas no Poema Sujo vai se procurar restituir sua organicidade enquanto objeto artístico e enquanto longa fala da memória. É justamente esse esgarçar, tanto da linguagem quanto das reminiscências mais íntimas, que conferem ao poema a sua polifonia.
RESULTADOS:
No Poema Sujo concorrem muitas vozes imersas na torrente das lembranças e atualizadas (pode-se dizer vivas) na e pela memória no momento mesmo de sua realização. Começamos o nosso trabalho explorando as relações entre a memória como fenômeno individual e social e as artes, em especial a poesia. Fundamentamos o nosso estudo, nas teorias sobre memória de pensadores como Henri Bérgson e Maurice Halbwachs. O primeiro baseou seu estudo na relação da memória com o corpo. O segundo, desta com seu caráter social. Logo após esse panorama inicial, passamos ao estudo do poema, verificando a história de sua gênese, bem como a trajetória de seu autor. Pensamos ser de extrema relevância para o trabalho a análise das duas situações, uma vez que, nesse caso, não podemos desvincular a história do poeta e seu objeto artístico. Nesse estudo traçamos algumas bases da relação do tempo com o fenômeno estético. Nesse momento cruzamos as teorias bergsonianas e de Halbwachs, com as considerações sobre o poema e buscamos mostrar como este se articula no sentido de (des)construir a memória. Ao empreender tal investigação, procuramos evidenciar, como dentro de um objeto artístico, se articulam essas categorias de tempo, memória e corporalidade, em seu contexto individual e social, organizadas em torno das necessidades estéticas de expressão do poeta.
CONCLUSÕES:
O Poema Sujo, no seu movimento dialético, (des)construtor da memória, rompe com o senso comum e instaura uma nova ordem, mostra a história não oficial; a problematização do passado e da existência, por meio da “lembrança” evocada no poema, não pode ser enquadrada, nas categorias de lembrança pura e de memória coletiva, mesmo sendo mediadas pelo corpo e pela linguagem. Essa simultaneidade da experiência do corpo, embora tenha sido abordada por Bérgson não foi problematizada em termos dialéticos. Já Halbwachs não avançou no seu determinismo social. A experiência trazida a lume pelo poema é individual e coletiva. Sofre influências dos quadros sociais da memória ao mesmo tempo em que os problematiza, apreende a vida em sua historicidade.  Dessa forma, o Poema Sujo fala sobre sujeitos concretos. Acreditamos que no caso do poema em estudo, o que o torna mais excepcional é que articula todas essas categorias sem perder a tensão poética e sem cair em esquematismos, tornando-o pulsante, vivo. Após a análise do Poema Sujo e da sua relação com a memória, podemos considerar que esse tema se constitui num material de rica discussão, muito longe de ser esgotada. Diversos estudos apontam para outras concepções do fenômeno da memória. Acreditamos ser ele extremamente relevante. Ademais, trata-se de obra que busca problematizar a relação do ser humano consigo e com a sociedade. Talvez esse seu signo de sujo, diga mais sobre a sua pureza. Esperamos que esse trabalho tenha contribuído para tal.
 
Palavras-chave: Análise Literária; Memória; Poesia.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006