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F. Ciências Sociais Aplicadas - 12. Serviço Social - 2. Serviço Social da Criança e do Adolescente
JUVENTUDE E ATO INFRACIONAL: AS MÚLTIPLAS DETERMINAÇÕES DA REINCIDÊNCIA
Silvia da Silva Tejadas 1, 2
Beatriz Aguinsky 2
(1. Ministério Público do Rio Grande do Sul; 2. Pontifícia Universidade Católica do RGS (PUCRS), Faculdade de Serviço Social)
INTRODUÇÃO:

Juventude, ato infracional e reincidência são categorias que, no senso comum da sociedade brasileira, se articulam em um emaranhado de preconceitos que, muitas vezes, resultam em percepções que alimentam a indiferença, a estigmatização e o estreitamento das análises acerca do tema. O presente estudo, de caráter exploratório, buscou adentrar no debate, à luz da perspectiva da garantia de direitos, visando ao desvendamento das determinações que incidem no fenômeno da reincidência na prática de atos infracionais por adolescentes, na cidade de Porto Alegre.

O tema da reincidência na prática de atos infracionais é pouco explorado no meio acadêmico. Por outro lado, a reincidência constitui-se em uma caixa de ressonância das políticas públicas, uma vez que remete a lacunas e limites do Sistema Protetivo proposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim, o tema adquire relevância na produção acadêmica do Mestrado em Serviço Social, dadas as contribuições que podem resultar da pesquisa quanto às políticas públicas e ao Sistema de Garantia de Direitos da Infância e Juventude.

O cenário da pesquisa é marcado pelo avanço na conquista de Direitos Humanos, trazendo à tona novos sujeitos de direitos, entre eles a juventude. No Brasil, a conquista de direitos ocorre no contexto da ascensão do referencial neoliberal, que repercutiu na redução e focalização das políticas. A juventude, tida como segmento perigoso, permanece invisibilizada nas políticas públicas.

METODOLOGIA:

Trata-se de estudo de natureza qualitativa, fundamentado no método materialista, histórico e dialético. Os critérios para a seleção dos sujeitos foram: adolescentes, do sexo masculino, residentes em Porto Alegre, reincidentes no cometimento de atos infracionais, aos quais tivesse sido aplicada a medida de internação ou liberdade assistida, nos meses de julho e agosto de 2003, e que tivessem outros ingressos no Sistema com a aplicação das referidas medidas.

A primeira etapa consistiu na análise de 52 processos, sendo estudados: termos de audiência, relatórios técnicos sobre a execução das medidas socioeducativas, laudos das equipes técnicas do Juizado da Infância e Juventude e relatórios de instituições da rede de atendimento. Tais documentos permitiram o conhecimento do grupo estudado quanto às suas condições e modo de vida, à trajetória institucional, às intervenções técnicas e à inserção nas políticas públicas.

Na segunda etapa, selecionou-se os adolescentes com maior e menor número de atos infracionais e, do conjunto, quais os que ainda estavam cumprindo medida socioeducativa, realizando-se, então, entrevistas semi-estruturadas com os adolescentes e familiares. As entrevistas tinham por objetivo conhecer os fatores de risco e de proteção na vida dos adolescentes, o processo de produção da reincidência e as intervenções efetivadas pelo Sistema de Atendimento, na ótica dos entrevistados. A terceira etapa consistiu na análise dos dados, através da análise de conteúdo.

RESULTADOS:

Os resultados permitiram a identificação de múltiplas determinações que se relacionam de forma dialética na produção da reincidência, permeando a esfera privada e pública da vida dos adolescentes. As determinações têm como eixo comum a perda de pertencimento dos sujeitos da pesquisa, a qual fragiliza as possibilidades de eles encontrarem sentido e projetarem um futuro.

As condições e o modo de vida dos pesquisados retratam a vulnerabilidade, desfiliação e desqualificação. O crime e a droga apresentam-se como forma de aliviar o sofrimento, experimentar novas formas de interação, adquirir visibilidade. Na esfera privada - das relações familiares e do contexto social próximo –, os adolescentes vivenciam a ruptura de vínculos, perdas e tentativas dos adultos de protegê-los. A violência como fenômeno social permeia desde o contexto familiar e de vizinhança, até as políticas públicas e o Sistema de Justiça.

As determinações do campo da vida privada carecem da intervenção do Estado quanto à efetivação de políticas públicas que fomentem a resiliência. Os adolescentes reincidentes passam despercebidos pelas estruturas do Estado ou são excluídos por não corresponderem aos padrões de comportamento desejado.

O Sistema Sócio-Educativo reforça a história de segregação e desqualificação social. O rótulo da reincidência funciona como um condutor para a focalização cada vez maior do Sistema em medidas repressivas, que corroboram a manutenção do adolescente no status que lhe é atribuído.

CONCLUSÕES:

A reincidência constitui-se em uma caixa de ressonância das políticas públicas e do próprio Sistema de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional. O estudo realizado identificou que houve avanços significativos nas diretrizes e objetivos dos programas de atendimento, resultado das transformações paradigmáticas ocorridas na última década, que disponibilizaram instrumentos de exigibilidade de direitos. Contudo, o velho paradigma, retribucionista e tutelar, no campo das medidas socioeducativas, mostrou-se presente no cotidiano das práticas institucionais.

A juventude apresentou-se sublocalizada, em nível institucional, nas políticas com as quais os adolescentes tiveram contato. A descontinuidade das ações nas políticas públicas e no Sistema de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional foi recorrente, evidenciando que as ações desenvolvidas, na maioria das vezes, não emanam de políticas de Estado, mas de governo, não demonstrando densidade institucional.

Apesar dos progressos conceituais acerca do Sistema Sócio-Educativo, preponderam práticas punitivas e tutelares, em detrimento da sua função socioeducativa, fazendo com que as medidas aplicadas não tenham sentido para os jovens. Nesse contexto, os adolescentes vulnerabilizados socialmente tornam-se vulneráveis penalmente. O Sistema reforça a história de segregação, ou seja, as determinações da esfera privada e da ausência do Estado compondo engrenagens que se reforçam mutuamente na reprodução da reincidência.

Instituição de fomento: CAPES
 
Palavras-chave: Reincidência; Juventude; Ato infracional.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006