IMPRIMIR VOLTAR
G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social

SAÚDE MENTAL: UMA EXPERIÊNCIA DE RECONQUISTA DA AUTO-GESTÃO PELO PROCESSO GRUPAL EM ESPAÇO PÚBLICO

Fabíola Langaro 1
Mirella Alves de Brito 1
(1. Universidade do Vale do Itajaí/UNIVALI)
INTRODUÇÃO:

A partir dos anos 70, o atendimento em saúde mental no Brasil vem passando por transformações importantes, tendo havido conquistas de novos espaços em substituição ao aparato manicomial e alicerçando a atenção em práticas que visam denunciar concepções naturalistas que têm, historicamente, “justificado” o asilamento, a medicalização e a sua patologização (Dimenstein 2003). O trabalho que ora apresentamos é resultado de um Estudo de Caso que teve como principal objetivo compreender a dinâmica da reconquista da auto-gestão da saúde mental, dentro de um espaço grupal e público. Com este propósito acompanhou-se o desenvolvimento do Projeto de Saúde Mental no Centro de Saúde do Centro Histórico de São José, Santa Catarina, no período de março de 2005 a fevereiro de 2006 (um ano), sendo que a escolha deste espaço de ação orientou-se pelo pressuposto de que as pessoas não padecem de sofrimento físico e mental separadamente, mas que as condições ambientais, sociais e mentais formam parte de ecologias inter-relacionadas. (Lancetti, 2000 apud Feneric; Pereira e Zeoula). A relevância da presente investigação está, dentre outras, na disponibilização dos resultados constatados para ampliação da discussão e na busca exploratória de alternativas sócio-construtivistas e públicas de reconquista da saúde mental, orientadas para o resgate da condição de sujeito com autonomia para a auto-gestão continuada deste processo.  

METODOLOGIA:

O Estudo de Caso do Grupo de Saúde Mental do Centro de Saúde do Centro Histórico de São José está inscrito nos pressupostos da pesquisa qualitativa orientada por um ensaio etnográfico, através do qual buscou-se descrever e explicar os significados que permeiam as práticas sociais em torno da recuperação da saúde mental num processo grupal e cooperativo. Reveste-se também dos matizes da investigação-ação, tanto na metodologia quanto nos seus propósitos. A pesquisa também tem caráter de intervenção, na medida em que na observação participante, os pesquisadores assumiram o papel de mediadores do processo. Quanto aos propósitos, foram orientados para a auto-gestão, pelo qual, é fundamental que as pessoas envolvidas se fortaleçam como sujeitos e se instrumentalizem com os recursos necessários para gerenciar assertivamente as suas práticas sociais. Os procedimentos da pesquisa fundem-se com os próprios procedimentos do Projeto que promove grupos de reflexão em encontros semanais com duração de 1h30min, mediados por um psicólogo e duas bolsistas do curso de Psicologia. O grupo é composto de, no máximo, quinze pessoas, constituído a partir de encaminhamento dos profissionais da equipe do Programa de Saúde da Família e triagem por psicólogo. As dinâmicas preparadas são as facilitadoras para a expressão das vivências do momento (Cardoso, 2002), da reflexão e das interações desejadas no processo. Os instrumentos de coleta e registro de dados são: uma entrevista inicial e o relatório sistemático dos encontros do grupo.

RESULTADOS:

O objetivo inicial do Projeto do Grupo de Saúde Mental do Centro de Saúde do Centro Histórico de São José foi o da promoção da saúde mental e da qualidade de vida dos pacientes com sofrimento psíquico e portadores de doenças crônico-degenerativas na rede básica do município de São José. A análise dos dados evidenciou que nesta dimensão os participantes têm obtido significativos resultados que se expressam, no desaparecimento de transtornos como depressão, síndrome do pânico e, e em diversos casos, na diminuição ou na libertação do uso de psicotrópicos. Resultados complementares importantes expressam-se na capacidade de participação na construção dos encontros, na organização de outros eventos que acrescentem qualidade à sua vida e, sobretudo, nos depoimentos em relação às suas mudanças em relação ao gerenciamento de sua vida, na autoria e assunção da responsabilidade por suas escolhas e na compreensão da abordagem holística da saúde mental (Carvalho, 1994). Agregam um valor adicional a estes resultados o processo pelo qual eles são obtidos, o qual passa por si só a constituir um resultado, como nova matriz de funcionalidade e enfrentamento das situações complexas ou de risco da sua saúde mental. Trata-se do exercício da reflexão, mediado pelos instrumentos da psicologia; das práticas de sociabilidade, e da ampliação de possibilidades de ser no mundo (Maheirie, 1994).

CONCLUSÕES:

Os resultados obtidos através da observação participante possibilitaram não somente compreender a dinâmica da reconquista da auto-gestão da saúde mental, dentro de um espaço grupal e público, como também constatar os elevados benefícios de um processo conduzido sob esta perspectiva. O material etnográfico tem colaborado para a compreensão das experiências no campo da saúde mental, que se referem a uma rede de significados constituídos a partir das práticas sociais e dos sentidos compartilhados pelos grupos. Estes se expressam no rico laboratório de recursos que o próprio grupo passa a constituir, na oportunidade ímpar que a vivência mediatizada, em grupo, passa a representar como “escola” de aprendizado de novos modelos e vínculos relacionais, na construção ou resgate dos suportes da emancipação, da autonomia e da capacidade de reorganizar sua vida de forma a atribuir-lhe maior significado e mais qualidade. Do ponto de vista institucional conclui-se que uma proposta de saúde pública assim configurada viabiliza a experimentação da verdadeira concepção de espaço público, não somente pelo serviço gratuito, mas como um lugar de acesso a que todo cidadão tem direito pela simples condição de pessoa humana e, mais ainda, de trabalhador contribuinte. Pode-se concluir ainda que se trata de uma referência de gestão otimizada dos recursos públicos, traduzida num modelo assentado na correlação entre os aspectos físicos e psicológicos intrincados no processo de busca pela saúde global e no envolvimento integrado das diferentes categorias profissionais em atividade na área da saúde pública. Os benefícios, portanto, deste modelo grupal e público de saúde são da ordem da dimensão humana e institucional.

Instituição de fomento: Universidade do Vale do Itajaí
 
Palavras-chave: saúde mental ; qualidade de vida ; grupos de reflexão.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006