IMPRIMIR VOLTAR
F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 12. Direito

A VIOLÊNCIA SEXUAL COMETIDA CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES – A FRAGILIDADE DO SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS A LUZ DA EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA SENTINELA DE JOÃO PESSOA – PB.

Alexandre Soares de Melo 1
(1. (Depto. de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano - Instituto de Psicolo)
INTRODUÇÃO:

A realidade social brasileira está repleta de situações e exemplos que bem refletem o flagelo do sofrimento humano, representado pelos sacrifícios impostos a milhões de pessoas vitimadas pelos mais diversos tipos de violência, configurando-se tais situações como uma verdadeira afronta aos direitos fundamentais. Essas ocorrências se tornam ainda mais graves quando envolvem diretamente a violação da liberdade sexual, por se tratar de um dos mais íntimos bens jurídicos do ser humano. Com efeito, a violência sexual cometida em desfavor de crianças e adolescentes parece despertar um maior grau de intolerância, vez que a grande maioria destas ocorrências se dá no próprio seio familiar. O Sistema de Garantia de Direitos, previsto na Lei nº 8.069/90 visa desenvolver, a partir da ação articulada de diversos atores, a proteção e prevenção de direitos violados ou na iminência de o serem, propiciando a criança e ao adolescente prioridade absoluta, enquanto indivíduos em condição especial de desenvolvimento. Nesse contexto, objetivou-se no presente estudo traçar um perfil, a partir de uma experiência concreta vivenciada junto aos casos atendidos pelo Centro de Referência do Programa Sentinela de João Pessoa-PB (Serviço Especializado de Enfrentamento ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes), do tortuoso caminho a ser percorrido pelas vitimas de violência sexual, juntamente com seus familiares, quando fazem opção por quebrar a barreira do silêncio e denunciar os seus agressores.

METODOLOGIA:
O presente estudo se deu a partir de nossa experiência como advogado voluntário do Programa Sentinela no município de João Pessoa – PB. Durante todo o ano de 2005, buscamos, a partir das denuncias que aportaram na sede do programa e com base nos atendimentos realizados pela equipe técnica, acompanhar o longo percurso a que são submetidas às vítimas e familiares da violência sexual até chegarem na efetiva prestação jurisdicional. Nesse sentido, buscamos acompanhar o desfecho de cada caso atendido, junto aos diversos atores que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, tais como, Delegacia da Infância e Juventude, Ministério Público, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares, Rede Hospitalar, além de realizarmos todo o acompanhamento processual dos casos que chegaram no âmbito do Poder Judiciário. Para tanto, buscamos inicialmente, junto aos prontuários de atendimento, realizar um levantamento dos fatores que com maior incidência contribuíam para inibir crianças, adolescentes e seus familiares de procurarem atendimento e tratamento junto aos atores integrantes do Sistema de Garantia de Direitos. Numa segunda etapa, realizamos uma comparação entre os casos atendidos pelo Programa Sentinela em 2005, buscando identificar quanto daqueles casos haviam sido denunciados junto a Delegacia Especializada e quantos haviam sido encaminhados para a Justiça, relacionando estes dados com os fatores de inibição anteriormente mencionados.
RESULTADOS:

A grande dificuldade de se notificar os casos de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes, excetuando os fatores naturais intrínsecos a própria violência, quais sejam, à dependência emocional ou econômica da vítima e de sua família em relação ao agressor e a inviolabilidade da vida intrafamiliar, foram apontados pelos usuários do Programa Sentinela de João Pessoa - PB, em sua grande maioria, a falta de preparo dos agentes públicos responsáveis pela defesa e atendimento das crianças e adolescentes; o constrangimento a que os mesmos são submetidos quando do atendimento; além da reprodução sistemática de outros tipos de violência físicas e psíquicas durante a fase de investigação da denúncia. Tais fatores, contribuíram significativamente para a quantidade diminuta dos casos atendidos pelo programa que aportaram no Poder Judiciário. Durante todo o ano de 2005, foram atendidos pelo Programa Sentinela de João Pessoa-PB um total de 124 casos que evidenciavam a ocorrência de violência sexual cometida contra crianças e adolescentes. Deste universo, apenas 53 casos, ou seja, 42,74 % dos casos de atendimento chegaram a Delegacia da Infância e Juventude do município, dos quais apenas 35, ou seja, 28,22 % dos casos de atendimento realizados pelo programa transformaram-se efetivamente em processos judiciais tramitando na Justiça Pública do Estado da Paraíba.

CONCLUSÕES:
A violência sexual cometida contra crianças e adolescentes, não obstante o avanço implementado em políticas públicas nos últimos anos e pela participação mais ativa de determinados atores da sociedade civil, ainda é um fenômeno social que  assola a sociedade contemporânea. Não bastasse a dificuldade natural para se enfrentar a temática, face o grandioso obstáculo do silêncio que nutre este tipo de violência, a questão torna-se ainda mais delicada a partir da experiência dos casos em que, mesmo rompendo a barreira do silêncio, as vítimas acabam por esbarrar em outras dificuldades geradas pelo aparato estatal totalmente despreparado e imaturo para lidar com matéria de tamanha relevância e importância. Do recebimento da denuncia por parte de agentes públicos (delegados, educadores, médicos, conselheiros e outros) a efetiva prestação jurisdicional (juizes, advogados e promotores), tanto a vítima quanto seus familiares são submetidos a um longo e tortuoso caminho, no qual invariavelmente tornam-se novamente vítimas de outras tantas violência, físicas e psicológicas, fazendo com que a responsabilização dos agressores e o atendimento adequado as suas vítimas sejam ainda uma realidade muito distante
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: violência sexual; criança e adolescente; sistema de garantia de direitos.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006