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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 2. Práticas Clínicas, Identidade e Relações de Gênero

AS ESTRATÉGIAS DO DESEJO E O DISCURSO SOBRE O FEMININO NA CONTEMPORANEIDADE.

Olga Maria Machado Carlos de Souza  1
Ana Paula Dettmann  1
Liliana Emília Frizzera  1
Luciana Pena Vila Lima  1
Poliana dos Santos Cordeiro  1
Verônica Stefania Alves de Oliveira  1
(1. Departamento de Psicologia, Universidade Federal do Espírito Santo / UFES)
INTRODUÇÃO:

O presente trabalho resulta de um projeto integrado de pesquisa desenvolvido no grupo “Psicanálise na universidade”. Compõe-se de seis sub-projetos, versando sobre diversos aspectos do feminino na maturidade. Considerando que o desejo, para a psicanálise, comporta dimensões estruturais invariantes e outras abertas às variações espaço-temporais, denominamos estratégias do desejo as vias típicas de uma época, que tanto obstaculizam quanto traçam perspectivas para o sujeito. Buscamos detectar no estudo do discurso de mulheres maduras atendidas na clínica e de textos literários de escritoras representativas do começo e do fim do século XX as estratégias do desejo ou as direções em que se move a questão do feminino. O início do século XXI traz tendências específicas nas mulheres quanto às estratégias do desejo? Qual é o discurso sobre o feminino sustentado atualmente? Entre as mulheres maduras, que questões sobre o feminino predominam? Trabalhos de pesquisa anteriormente realizados haviam indicado a vida amorosa e a religião como temas privilegiados no discurso das mulheres de meia-idade. No atual projeto, partimos para a investigação mais específica do lugar da religiosidade e do amor na vida das mulheres maduras.  O presente trabalho justifica-se à medida que estas pesquisas contribuem para o aprimoramento teórico no caso da abordagem psicanalítica, que subsidia propostas de atenção à saúde da mulher, mais bem adaptadas às características contemporâneas.

METODOLOGIA:

Por se tratar de um projeto integrado, composto por cinco sub-projetos de iniciação científica diferentes, foram empregados diversos tipos de metodologia na realização do trabalho. As investigações foram feitas de três formas principais: a) pesquisa psicanalítica teórico-conceitual onde foram destacados e desenvolvidos os conceitos psicanalíticos necessários à articulação das questões acerca da posição feminina e do fenômeno religioso; b) análise do discurso de pacientes atendidas em grupos de sala de espera em um programa de climatério-menopausa no Hospital Universitário da UFES, tomados na sua singularidade e na sua inserção no conjunto da situação, segundo a metodologia própria à abordagem psicanalítica; c) procedimentos de investigação de abordagem psicanalítica de textos literários de autoras escolhidas: Virgínia Woolf e Hilda Hilst, referindo-os quando necessário à biografia das autoras, porém tomando-os não apenas como meros reflexos da subjetividade particular das escritoras, mas como o veículo das estratégias de desejo típicas de uma época: o começo e o fim do século XX.

RESULTADOS:

A teoria psicanalítica aponta como especificidade da posição feminina a flexibilidade da identificação, teorizada em termos de uma lógica do “não-toda”, referida à lógica fálica universalizante, mas escapando em parte a ela. Tal aspecto se confirmou nas nossas análises. Virgínia Woolf testemunha a tendência do começo do século XX a quebrar a definição rígida do masculino e do feminino, para possibilitar às mulheres o acesso à atividades consideradas restritas aos homens. A obra Orlando é emblemática da busca de apagamento dos limites impostos em termos de diferenças sexuais, mostrando uma personagem que transita de um a outro sexo. Hilda Hilst, bem posterior no século XX, testemunha questões femininas quando os limites já tinham sido em grande parte transpostos, possibilitando às mulheres usufruírem uma maior liberdade sexual e profissional e conhecerem questões diferentes da simples reivindicação de direitos e liberdades. O discurso das mulheres em grupos de sala de espera mostra, como uma tendência da contemporaneidade a variabilidade de ideais femininos, que deixa às mulheres menos interdições e maior possibilidade de escolhas não restritas a modelos socialmente propostos. Tanto se encontram mulheres que buscam balizar suas vidas na religião com princípios rígidos e concepções tradicionais quanto mulheres que buscam usufruir a liberação dos papéis e características tradicionalmente atribuídos ao sexo feminino, para pautarem suas vidas de forma mais independente.

CONCLUSÕES:

Entre esses dois extremos, encontra-se uma vasta gama de variações. Mas, ainda assim, mantém-se como uma característica feminina a importância atribuída ao amor e à referência ao outro, assim como uma certa relação como o corpo e a beleza que conduz, no período de envelhecimento, à necessidade de uma re-elaboração importante.

A posição feminina caracterizada pela lógica do “não-toda” fálica implica em abertura, em alternativas de caminhos, inclusive em referências fálicas. Não são interditadas ou estranhas às mulheres as vias fálicas e não há sentido em restringir suas atividades àquilo que a tradição apontava como femininas. Em nossa época, que seguiu a uma reformulação dos ideais e da definição de tipos sexuais, assistimos à concretização dessas alternativas oferecidas às mulheres, cujos discursos mostram uma grande diversidade. Contudo, a relação com o corpo, modificada pela liberação sexual, não deixou de constituir uma dificuldade para as mulheres maduras em processo de envelhecimento e perda das características físicas da juventude. Porém essas perdas são mais bem elaboradas nos casos em que a mulher tem outros pontos de sustentação identificatórios mais duráveis e resistentes à passagem do tempo. Isso as leva a valorizar formas de inserção social pelo trabalho e, algumas vezes, a buscar referências mais estáveis no campo religioso.

Instituição de fomento: CNPq e Petrobrás
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Mulheres; Desejo; Psicanálise.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006