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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 4. Sociolingüística
ESTUDO GEOLINGÜÍSTICO DE COMUNIDADES  CAIÇARAS NO LITORAL NORTE PAULISTA
Márcia Regina Teixeira da Encarnação 1
(1. FFLCH Universidade de São Paulo / USP)
INTRODUÇÃO:

Em decorrência do crescente processo de globalização econômica e cultural por que vêm passando as sociedades neste início de século, percebe-se que diferentes grupos humanos vêm sofrendo mudanças que alteram, continuamente, algumas de suas características típicas. Ressaltamos que os diversos processos de padronização em curso podem levar ao desaparecimento de muitos falares grupais como, por exemplo, o de comunidades caiçaras. É preciso, pois, que se tente resgatar e registrar o mais rápido possível a riqueza lexical existente a fim de que se possa conhecer um dos maiores patrimônios culturais de um povo, a sua língua.

Nesse sentido, a pesquisa geolingüística é um instrumento de suma importância, pois permite que se conheça e registre as diferentes formas de falar de uma comunidade, objetivo maior desta pesquisa. Elaboramos um estudo semântico-lexical de caráter descritivo nas comunidades caiçaras do litoral norte de São Paulo, analisando uma das lexias de mais elevada freqüência que busca retratar o dialeto da região e a lexia de maior número de variações oferecendo, assim, subsídios para a execução de um projeto mais amplo, o Atlas Lingüístico do Brasil.

METODOLOGIA:

A elaboração deste trabalho fundamentou-se em pesquisa de campo, com a finalidade de proceder à recolha de dados.Os sujeitos eram  naturais da localidade ou lá residiam há pelo menos um terço 1/3 de sua vida quando procedente de outra região. Não foi exigido um determinado nível de escolaridade, já que nas comunidades pesquisadas não lhes é oferecida nenhuma instrução além da 4ª série do Ensino Fundamental. Em cada um dos pontos estabelecidos foram entrevistados adultos, com mais de 60 anos. Seus depoimentos são de suma importância porque conservam características específicas de um vocabulário pouco influenciado pela ação niveladora dos meios de comunicação. Para as entrevistas, utilizamos a versão do questionário lingüístico que consta do II Workshop de preparação de inquiridores para o Atlas Lingüístico do Brasil, realizado em Londrina de 3 a 7 de julho de 2000.Utilizamos o Questionário Semântico-Lexical que se constitui em instrumento indicado para pesquisas dessa natureza e tem como objetivo documentar o registro coloquial do falante, procurando retratar as formas de emprego mais gerais da comunidade pesquisada. Elaboramos, com as respostas obtidas na subárea Flora, o registro de traços caracterizadores dos falares do caiçara de quatro comunidades tradicionais na região de Ilhabela e posteriormente fizemos um estudo semântico lexical de caráter descritivo.

RESULTADOS:

Num total de seis sujeitos, encontramos uma série de variantes lexicais, cujo número de ocorrências, em ordem decrescente, apresentamos a seguir: A pergunta 4.6...como se chama“a ponta roxa no cacho da banana?” obteve o maior número de variações, ou seja, 3. A pergunta 4.1...como se chamam“as frutas menores que a laranja, que se descascam com a mão, e, normalmente, deixam um cheiro na mão? Como elas são?”, a 4.3...como se chamam“umas florezinhas brancas com miolo amarelinho, ou florezinhas secas que se compram na farmácia e servem para fazer um chá amarelinho, cheiroso, bom para dor de barriga de neném/bebê e até de adulto e também para acalmar? e a pergunta 4.4...como se chama“ cada parte que se corta do cacho da bananeira para pôr para madurar?”obtiveram 2 variações lexicais. A pergunta 4.2 como se chama...“o grão coberto por uma casquinha dura, que se come assado, cozido, torrado ou moído?” e a 4.5 “duas bananas que nascem grudadas?” obtiveram apenas uma única variação. A análise do número de variações lexicais foi feita em função dos intervalos das ocorrências, que, nesse caso, estão entre 0 e 3. As porcentagens obtidas no total das seis perguntas analisadas são as seguintes: 0 a 1: 33.34%; 1 a 2: 50 % e de 2 a 3: 16.67%. Na subárea Flora, composta por seis perguntas, observamos 11 variantes e 36 ocorrências, cuja média total das variantes obtidas é de 0,54.

CONCLUSÕES:

Na subárea estudada não houve abstenções, o que mostra que os sujeitos não tiveram nenhuma dificuldade para entender as questões e ainda que as lexias dadas como respostas eram comuns à realidade lingüística na qual estão inseridos. A análise semântico-lexical levou-nos a concluir que a língua, por estar inserida em um contexto sócio-cultural, imprime aos falantes as marcas dessa sociedade, que singularizam seu falar em relação a outras comunidades lingüísticas. No decorrer dessa pesquisa, percebemos que o tema é fonte inesgotável para vários outros estudos. A intenção é deixar registrado material que possa ser cotejado com outros falares, de outras regiões do País, ou ainda, compará-lo com dados colhidos futuramente nessa mesma região. Essas comunidades, constituídas por populações caiçaras, marcadas por uma cultura e tradição herdada dos negros, índios e europeus, viveram ciclos econômicos distintos e nas fases de crise sofreram relativos isolamentos, o que lhes permitiu desenvolver um modo de vida bastante peculiar. Com a emigração dos jovens para o continente em busca de melhores condições de vida, com a alfabetização e ainda com a influência dos meios de comunicação é certo que esse linguajar “dos caiçaras de raiz”, esteja se perdendo dia a dia e venha a desaparecer em um futuro próximo.

 
Palavras-chave: Dialetologia; Geolingüística; Análise semântico-lexical.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006