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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística

ESTUDO DA LETRA DA CANÇÃO “OLHANDO BELÉM” DE CELSO VIÁFORA, SOB UMA PERSPECTIVA DA ANÁLISE DO DISCURSO

José Daniel Maia Trindade 1
(1. COLÉGIO MAC)
INTRODUÇÃO:

Neste trabalho é feita uma análise da letra da canção “OLHANDO BELÉM”, de Celso Viáfora, sob a perspectiva da Análise do Discurso, evidenciando: o contexto histórico-social, como parte constitutiva do sentido; a formação ideológica que governa a formação discursiva, considerando que ela determina “o que pode/deve ser dito a partir de um determinado lugar social” (Mussalim, 2001). É importante frisar que não se pretende, tampouco é possível, esgotar, dentro do que se propõe, o universo de sentido existente nesta composição. A escolha se deveu ao fato de que a letra apresenta um discurso marcado por um eu-lírico de um outro contexto histórico-geográfico, condicionado por uma formação ideológica que, diante de seu objeto lírico (Belém), “integra-se” a ele. Inscreve-se este trabalho, dentro da Análise do Discurso, baseados em conceitos como o de formação discursiva, ideologia, historicidade, lugar. Tomamos conceitos de Barkhtin, Maingueneau, Pêcheux. Segundo desdobramentos desses conceitos, diz-se que a canção realiza um discurso que dá sentido a atos histórico-sociais, pois para a Análise do Discurso os sentidos são constituídos historicamente. O processo da formação discursiva coloca em jogo forças ideológicas antagônicas, materializas nos versos: “Um caipora que nasceu na cidade / um caipira de gravata e sapato”. Vê-se, assim, discursos que indiciam modos de pensar, de sentir e interpretar fatos histórico-sociais que formam uma memória.

METODOLOGIA:

No estudo da letra “OLHANDO BELÉM”, foi utilizada a linha de Análise de Discurso de pensamento francês e também alguns conceitos bakhtinianos (ideologia, dialogismo). A partir disso, a letra da canção foi observada como maneira de perceber o que pode/deve ser dito, o lugar social do sujeito e seu contexto histórico. Usamos, neste trabalho, o conceito de formação discursiva com a seguinte noção: “(...) designa todo sistema de regras que funda a unidade de um conjunto de enunciados sócio-historicamente circunscrito” (Maingueneau, 2000). Assim, a inscrição da fala do sujeito-lírico de “OLHANDO BELÉM” se aporta a um sentido em que se vêem linhas ideológicas atravessadas por discursos pré-construídos, provenientes de contextos históricos e sociais diversos, mas que formam um discurso único. A análise se fez com o objetivo de comparar a hipótese de que na formação discursiva haverá sempre a presença do OUTRO, colocando, assim, em jogo, mais de um discurso, já que uma formação ideológica possui mais de uma força ideológica. Pressupõe-se que o sujeito-lírico olha Belém de passagem, pois a vê da janela de um Hotel – a palavra “hotel” presentifica a idéia de hospedagem breve, que se cumpre por um determinado período de tempo, em determinado lugar.

RESULTADOS:

Pode-se perceber que a letra da canção apresenta um sujeito-lírico postado diante de uma realidade que lhe causa certa estranheza: o ambiente físico e o social, principalmente este “É branco, é negro, é índio”, e materializa-se ideologicamente como sujeito de um outro contexto histórico-social, assim: “No rio Tietê mora minha verdade.” A seguir vê-se como um autêntico brasileiro, desprovido de valores sócio-econômicos: “sem nome sem dinheiro / sou mais um brasileiro”. Retorna à paisagem local e situa antagonismos que, na verdade, não se confrontam, antes, conciliam-se: “E um curumim assiste da canoa / Um boeing riscando o vazio”, porque este sujeito-lírico acredita “que ainda dá pra gente viver numa boa”. Nos versos “Os rios da minha aldeia / são maiores que os de Fernando Pessoa” situa-se uma fala cuja analogia deságua num discurso ideologicamente ufanista. Merecem atenção os versos “Eu olho o futuro / E pergunto pra insônia / será que o Brasil / Nunca viu Amazônia”. Tem-se, ainda hoje, a visão de que a Amazônia não é prioridade nos projetos político-sociais do Brasil, dos brasileiros. O interlocutor do eu-lírico é a própria “insônia” que, no discurso, fala com a voz do silêncio sobre os problemas que afligem a Amazônia, e esses problemas estão no pensamento do sujeito-lírico, tirando-lhe o sono. O leitor/ouvinte da canção, desse modo, pode perceber que o silêncio não é mudo, (nem vazio).

CONCLUSÕES:

A partir do exposto, conclui-se que o discurso presente na letra da canção de Celso Viáfora, “OLHANDO BELÉM”, é subordinada a contextos históricos, sociais e ideológicos materializados em vários discursos. Vê-se, por exemplo, a intertextualidade, quando o sujeito-lírico faz alusão aos versos do poema O GUARDADOR DE REBANHOS, do heterônimo pessoano Alberto Caeiro (XX, “O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia / Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia”), considera-se, assim, que o discurso da canção, nesse trecho, não é um pastiche, mas um processo discursivo que materializa um OUTRO, no outro. Há, na canção, a fala que utiliza a palavra “Curumim”, propriedade de um contexto histórico-social que remete o leitor/ouvinte a um momento situacional ideológico vivo entre passado e presente: o “curumim” de sua canoa vê (assiste) um “boeing” passar – os objetos “canoa” e “boeing” corroboram o sentido de um passado/presente uníssono; no entanto, é bom lembrar que a palavra “curumim” não circula na atividade lingüística dos falantes do Português, em Belém; raramente, apenas, em situações especiais de conversação. Observa-se que não é possível esgotar todo o universo de sentido que envolve os discursos presentes na letra da canção, porém é possível perceber que todo discurso é único e plural, ao mesmo tempo.

 
Palavras-chave: Discurso; Histórico-social; Sujeito-lírico.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006