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H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 6. Fundamentos e Crítica das Artes

"A GRAÇA DE DEUS": PARADIGMAS FEMININOS NO TEATRO DO SÉCULO XIX

Luziaine Andrade do Carmo 1
Claudia Mariza Braga 1
(1. Universidade Federal de São João del-Rei / UFSJ)
INTRODUÇÃO:

O presente trabalho é parte do projeto de pesquisa "Do Melodrama à Telenovela: dramaturgia popular no Brasil", desenvolvido no GETEB - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teatro Brasileiro e tem como objetivo o estudo da figura feminina do melodrama francês do século XIX. O melodrama, gênero de caráter popular, surgiu após a Revolução Francesa em fins do século XIX, com a pretensão inicial de representar modelos comportamentais que acompanhassem o perfil do novo público que começava a freqüentar o teatro. O gênero tornou-se logo extremamente popular devido a sua preferência por histórias contemporâneas, com problemas reais e personagens comuns. Levando-se em consideração que a construção do personagem é moldada conforme o elemento humano e que as peças melodramáticas refletiram a "nova" sociedade francesa pós revolucionária, o estudo em questão pretende discutir a construção do personagem feminino; e, através deste, o "papel" da mulher nesta nova sociedade que se formava. Com relação à representação do feminino, no espaço dramático, várias formas significantes se inter-relacionam, em função da tessitura da obra que não apenas produz, mas também reproduz identidades. Dentro dessa perspectiva de compreensão das representações, propõe-se aqui uma análise de gênero que visa a apreender, explicitar e discutir os mecanismos que formam a representação da identidade feminina na peça em questão e sua significação para as platéias.

METODOLOGIA:

O recorte realizado foi o da análise da posição da mulher na sociedade do século XIX representada na dramaturgia, especificamente neste caso, pela personagem Maria, no melodrama "A Graça de Deus", de D'ennery e Lemoine. Foi realizado o estudo da obra dramática em questão à luz de teorias sobre gênero e o feminino, pautados principalmente nos trabalhos teóricos de Stéphane Michaud e Anne Higonnet e dos estudos sobre a cultura popular de Peter Burke.

RESULTADOS:

Como resultado, percebemos que as mudanças sociais defendidas pela Revolução, principalmente de liberdade e igualdade, não foram para todos: o que se pode observar nas representações artísticas da época é que a figura feminina não desempenhou um papel ativo na Revolução e sua imagem estava sempre voltada para o convívio doméstico. A mulher do século XIX assume o caráter de símbolo, objeto de idolatria masculina. Os ideais revolucionários nela celebram "a divindade do santuário doméstico" e a Igreja institui a "Imaculada Conceição de Maria" como artigo de fé. A idealização do feminino no século XIX reduz a mulher ao status de serva, já que a Revolução derrubou a monarquia e criou o cidadão, mas se esqueceu que a mulher também poderia ser uma cidadã. Já a Igreja, sentindo-se ameaçada pela nova autoridade política que surge depois da revolução, para reconquistar seu prestígio junto aos revolucionários atribui à mulher o símbolo de pureza e a bane do direito de participar de forma ativa na sociedade. O teatro e a literatura atuarão em torno desta simbologia que cerca o universo feminino, como meio de resgatar a ordem em um meio social desestruturado e abalado pela revolução. Seguindo os ideais da época, "A Graça de Deus" representará uma sociedade marcada por valores morais eminentemente patriarcais, espelhando o modelo comportamental feminino ideal que deveria ser dotado de passividade e submissão aos desígnios masculinos, ficando esta confinada a viver à margem da sociedade.

CONCLUSÕES:

Concluímos que a representação do feminino no melodrama "A Graça de Deus", de D'ennery e Lemoine, se dá por meio da heroína, a "mocinha" Maria. Esta caracterizada por ser a "encarnação" das virtudes: é bela, bondosa e sensível. Suas ações estão condicionadas às ações do vilão e sua função melodramática a priori é sofrer e chorar, despertando geralmente no público sentimentos como compaixão e piedade. E ainda, pode-se dizer que socialmente a valorização da mulher estava restrita ao âmbito doméstico e que sua função na sociedade seria a de ser mãe, educadora e principalmente a de ser disseminadora da moral cristã e que apesar das profundas transformações estruturais ocorridas naquele momento, a mulher continuou em segundo plano, ou seja, sua participação social ficou restrita ao âmbito doméstico. Este fato, aliás, pode ser observado nas mais diferentes formas artísticas de representação. No gênero sobre o qual refletimos, a personagem Maria a todo tempo reafirma os ideais patriarcais que cercavam a mulher do século XIX, a de jovem virtuosa e que anseia um casamento para assim poder também desempenhar seu papel de ser esposa e mãe, cabendo a ela somente a guarda das purezas familiares. "A Graça de Deus" ratifica o modelo feminino da época, o qual deveria ser dotado de generosidade, devotamento, abnegação, gosto de dever e aptidão para o sofrimento.

Instituição de fomento: FAPEMIG
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Teatro; Melodrama; Feminino.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006