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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 5. Teoria Literária
A LINGUAGEM DE CLARICE LISPECTOR NA OBRA ÁGUA VIVA: DIÁLOGOS COM O LEITOR SOBRE O INDIZÍVEL
Janaina Alves Brasil Corrêa 1
(1. Mestre em Letras pela Universidade Federal Fluminense - UFF )
INTRODUÇÃO:
Clarice Lispector, autora reconhecida pelo uso de uma linguagem peculiar, inovadora e que transgride as normas da língua padrão, causou grande impacto na crítica na ocasião de sua estréia na literatura, justamente, pela singularidade de sua forma de expressão. Certamente, a linguagem foi a mais marcante questão de toda a sua carreira, o que tem, inclusive, dividido os críticos desde os idos da década de 40. É interessante, no entanto, notar que as investigações sobre a linguagem foram cedendo lugar a outros tipos de abordagens, ligadas a questões como, por exemplo, feminismo, filosofia da existência, misticismo, psicanálise e erotismo. Tais estudos estão em consonância com uma tendência de articular a literatura a outros campos do saber e a diversas temáticas, o que faz ampliar, e também especificar, as reflexões e investigações no âmbito literário. No entanto, acreditamos que a questão da linguagem em Clarice Lispector precisa ser retomada, uma vez que os procedimentos lingüísticos usados pela autora parecem estender os limites da língua verbal e da própria ficção. Desta maneira, escolheu-se a obra Água Viva como corpus desta investigação, pois a hipótese de nossa pesquisa é a de que nesta obra podem ser encontrados traços de estilo e de linguagem de forma mais radicalizada. Buscou-se estudar procedimentos lingüísticos e estilísticos desta escritura, atentando para as possíveis formas de comunicação estabelecidas entre o texto e o leitor desta obra.
METODOLOGIA:
São muitos os motivos que fazem de Água Viva um texto fronteiriço, um escrito que está situado sempre no limite: da linguagem, do gênero, do tema, da estrutura narrativa, do leitor. Desta maneira, elementos da narrativa foram analisados, levando-se em consideração o tipo de leitor desta obra. De acordo com as idéias que estudam o papel do leitor no ato de leitura, o autor deixa “pistas”, cujo objetivo seria guiar aquele que lê pelos interstícios da obra, de modo a formar um todo de sentido que esteja ligado ao que Umberto Eco chamou de intenção do texto. As pistas deixadas para o leitor foram tratadas, neste trabalho, tendo como pressuposto que, para que houvesse um diálogo, efetivamente fluido, o leitor de Água Viva não só deveria compreender as orientações de leitura, mas, também, precisaria perceber, e fruir, os procedimentos, estrutural e temático, utilizados nesta obra, uma vez que tais recursos buscam reiterar as pistas que o texto fornece. A particularidade narrativa de Água Viva parece estreitar os elos durante ato da leitura, uma vez que a narrativa não-linear e fragmentada permite maior liberdade ao leitor, que é levado a preencher os vazios deixados pela autora, seja através da estrutura, seja através das constantes rupturas temáticas. Apresentando um discurso no qual os vazios são produzidos inclusive pela interrupção contínua da coerência textual convencional, tais espaços funcionam como instrumentos que impulsionam a consciência imaginativa daquele que lê.
RESULTADOS:
A obra Água Viva se apresenta como uma narrativa na qual constantes confrontos, entre o dito e o não-dito, se realizam através da linguagem. Clarice Lispector assina, assim, uma ficção repleta de silêncios, nos quais o leitor irá “pescar na entrelinha” as palavras que não estão escritas, engendrando, assim, os múltiplos sentidos que suscitam tais vazios. A linguagem utilizada em tal obra não só propicia ao leitor um papel ativo na leitura mas também o convida a penetrar no jogo de sua escrita, que parece ter como compromisso transmitir a naturalidade do instante. Em Água Viva, “inexprimir” e exprimir convivem, buscando ultrapassar as “barreiras”, o equívoco e o drama que podem ser a linguagem. A importância e a força expressiva deste texto residem no fato de ele ser fragmentário, global, sinestésico, simultaneamente poético e trivial. Tais recursos envolvem o leitor para além da narrativa tradicional: ele não apresenta personagens, apenas um “eu”, um “tu”, um “it”, sendo, este último, um signo de significado flutuante no texto, figurando-se por meio de vários prismas, suscitando múltiplas interpretações. As cadeias temáticas podem ser divididas em blocos de sentido ou enredo, porém elas aparecem ao longo de todo o texto, sem linearidade; assim, é instaurado um tipo de comunicação capaz de suscitar respostas por meio dos efeitos estéticos produzidos na imaginação do leitor, conforme conceito formulado por Wolfgang Iser.
CONCLUSÕES:
Acredita-se que Água Viva solicita um tipo de leitor que compreenda e aprecie as regras de linguagem deste escrito. O leitor desta obra deve ter uma relação especial com a linguagem, além disso, não deve compreender como essenciais: 1) a unicidade do enredo; 2) a forma tradicional de descrição de ambientes e 3) a presença de personagens. Para o leitor modelo de Água Viva, a protagonista da ficção é a linguagem, assim, a fruição deste texto reside na própria escritura. Em Água Viva, “inexprimir” e exprimir convivem, buscando ultrapassar os limites impostos pela língua. Desta maneira, é instaurada – por meio de uma linguagem que “inexprime o exprimível” – um tipo de comunicação capaz de “significar” o pensamento. Os meios lingüísticos inovadores, as rupturas narrativas e sintáticas instalam o “eu” de quem narra no âmbito do “ser”, da “existência”, sob a presença maciça do narrador que se ausenta do mundo da linguagem formal movido pela necessidade e pelo desejo de traduzir-se por meio do pensamento. Em Água Viva, a autora leva a extremos a desestruturação da forma romanesca, uma vez que elabora um gênero híbrido, marcado pela fluidez, pela aparência inacabada. A inquietação que Água Viva provoca – seja na crítica, seja no leitor – é uma questão que merece, ainda, ser aprofundada. Clarice torna tensa a relação do real e da linguagem, refletindo a própria impossibilidade representativa desta relação. A autora torna sensível este dilema: o conflito da linguagem com o mundo.
Instituição de fomento: CAPES
 
Palavras-chave: Linguagem; Leitor; Diálogos.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006