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C. Ciências Biológicas - 11. Morfologia - 6. Morfologia

Avaliação preliminar das alterações dentárias dos botos Inia geoffrensis E Sotalia fluviatilis da região do médio Solimões e Japurá, AM – Brasil.

Carolina Loch Silva 1
Miriam Marmontel 2
César Jaeger Drehmer 3
Paulo César Simões-Lopes 1
(1. Laboratório de Mamíferos Aquáticos, Depto. de Ecologia e Zoologia, CCB, UFSC ; 2. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Tefé AM; 3. Depto. de Zoologia e Genética, UFPel RS)
INTRODUÇÃO:

Em comparação aos demais vertebrados, os mamíferos possuem uma dentição mais especializada, com dentes diferenciados em forma e função (heterodontes) que permanecem por toda vida do indivíduo, exceto por uma dentição decídua que ocorre nos juvenis de alguns grupos. Essas características refletem as modificações adquiridas na alimentação, já que os dentes são importantes para fracionar o alimento e misturá-lo com a saliva através da mastigação.

A maioria dos cetáceos odontocetos possui dentição homodonte e não decídua, com dentes de formato cônico levemente curvados para a região lingual. Esta condição, que contraria o padrão heterodonte dos outros grupos de mamíferos, é uma modificação secundária de uma adaptação para a alimentação, na qual as presas são apreendidas e engolidas sem mastigação. Alguns cetáceos como o boto-vermelho, Inia geoffrensis, apresentam uma reversão desse padrão devido a presença de dentes molariformes, demonstrando uma leve tendência à heterodontia.

Os dentes são importantes ferramentas para o estudo de diversos grupos de mamíferos, podendo fornecer informações sobre a história de vida dos indivíduos. A dentição pode refletir parâmetros como hábitos alimentares, relações filogenéticas, influências do meio ambiente e até a idade aproximada do animal. Apesar disto, o estudo das alterações dentárias em cetáceos têm recebido pouca atenção dos pesquisadores, apesar do vasto campo a ser explorado.

 

METODOLOGIA:

Para a realização deste estudo, utilizamos material dentário dos cetáceos amazônicos Sotalia fluviatilis e Inia geoffrensis depositados na coleção de referência de Mamíferos Aquáticos do Instituto Mamirauá, sediada em Tefé (AM). Esta coleção é composta por esqueletos de mamíferos aquáticos coletados ao longo da região do médio Solimões e Japurá, cujas principais causas de mortalidade estão associadas ao emalhamento acidental em redes de pesca artesanal e aos eventos de caça intencional, bem como outras causas de morte não identificadas.

Os casos de alterações foram identificados com base nas descrições da literatura específica, sendo triados a olho nu e com uma lupa de mão de aumento 8X e posteriormente caracterizados e quantificados. Foram também tomadas fotografias digitais dos casos de alterações. 

As alterações dentárias foram classificadas em traumáticas e biomecânicas (desgastes dentários e dentes fraturados), patológicas (cáries, tártaros, erosões dentais, e alterações de esmalte) e alterações de desenvolvimento (forma e tamanho dos dentes).

As alterações foram quantificadas em relação ao total de dentes do indivíduo e ao número amostral de dentes da espécie, sendo também caracterizadas qualitativamente quanto à forma, aspecto, regiões do dente atingidas pela alteração, etc.

 

RESULTADOS:

Foram analisados 29 sincrânios de Inia geoffrensis e 14 de Sotalia fluviatilis, totalizando 2009 e 800 dentes, respectivamente. Os desgastes dentários ocorreram em 37% dos dentes de Inia (n= 737) e em 65% dos dentes de Sotalia (n= 521).  Em relação à intensidade dos desgastes, a maior parte deles é superficial em ambas espécies, acometendo o esmalte e porções mais externas da dentina em 77% dos dentes desgastados de Inia (n= 439) e 84%  dos de Sotalia  (n= 569). Quanto à região anatômica, a coroa é a região que mais sofre desgastes nas duas espécies, com 76% dos desgastes em Inia (n= 560) e 85% em Sotalia (n= 443), embora também ocorram desgastes nas regiões da raiz e do cíngulo em menor porcentagem. Os dentes fraturados foram contabilizados em apenas 1,4% dos dentes de Inia (n= 29) e 0,6% dos dentes de Sotalia (n= 5).

Em relação às patologias, foram encontrados casos de tártaro e cáries nas duas espécies. O depósito mineral de tártaro foi encontrado em 21% dos dentes (n= 428) de Inia e 14% (n= 113) dos dentes de Sotalia, ocorrendo mais freqüentemente na região do cíngulo em ambas espécies. Cáries dentais foram diagosticadas em 9,5% dos dentes de Inia (n= 194) e em 1,5% dos dentes de Sotalia (n= 13), desde lesões com cerca de 5mm de diâmetro até cáries que ocupavam a coroa em toda extensão e diâmetro.

Não foram encontradas alterações de forma e tamanho dos dentes nas 2 espécies, possivelmente pela análise de vários dentes soltos e fora do alinhamento da série dentária.

CONCLUSÕES:

Embora os cetáceos odontocetos não realizem mastigação, utilizando os dentes fundamentalmente para apreender e segurar o alimento na boca para depois ser engolido, os desgastes dentários são relativamente freqüentes nas espécies. Os movimentos mandibulares envolvidos na biomecânica da alimentação e o grau de dureza do alimento estão contribuindo diretamente para o desgaste dos dentes, porém é importante que se conheça a ontogenia dos desgastes dentários para melhor se compreender este processo. Embora os desgastes sejam comuns nos indivíduos, faz-se necessário compreender sua ocorrência e características particulares nas diferentes espécies.

A ocorrência de patologias é ainda pouco documentada para os cetáceos, sendo bastante incipiente o conhecimento das etiologias e conseqüências das alterações.  Mesmo possuindo uma dieta fundamentalmente piscívora, os botos amazônicos apresentam patologias cuja ocorrência não seria favorecida por este tipo de dieta, como as cáries dentárias, por exemplo.

Essa avaliação preliminar das alterações dentárias dos cetáceos amazônicos do médio Solimões e Japurá representa um importante passo para o inventário das alterações dentárias ocorrentes nos cetáceos. Estudos mais aprofundados são necessários para a compreensão de suas etiologias e causas, bem como suas possíveis interferências na saúde dos indivíduos e indiretamente na conservação das espécies.  

 
Palavras-chave: alterações dentárias ; Inia geoffrensis ; Sotalia fluviatilis.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006