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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 1. Lingüística Aplicada

LÍNGUA PORTUGUESA E GRAMÁTICA NORMATIVA: DIFERENCIAÇÃO NECESSÁRIA PARA DOCENTES EM FORMAÇÃO.

Josemeri Peruchi Mezari 1
Silvana Edinézia Campos da Luz 1
(1. Universidade do Sul de Santa Catarina / UNISUL)
INTRODUÇÃO:

A língua humana é um excelente instrumento de comunicação, além de refletir a história e a cultura de um povo. É a história do povo que a fala. Além disso, as línguas são mecanismos de identidade, uma vez que um povo se individualiza, se afirma e é identificado em função de sua língua. Estimular as entranhas das formas lingüísticas e sentir a sistematicidade que envolve línguas, dialetos e variedades, sem julgamento de valor, é de beleza ímpar e só pode fazer bem aos que têm essa possibilidade (Scherre, 2005). Por termos a oportunidade de trabalhar numa comunidade multiétnica e, portanto, multicultural no município de Araranguá (Santa Catarina), propusemo-nos à realização da presente pesquisa. O objetivo é (re)abrir a discussão sobre o conceito da palavra gramática normativa e sobre o objeto de estudo da disciplina de Língua Portuguesa, por serem conceitos e reflexões comumente abordados na ementa de cursos de formação de professores de séries iniciais do ensino fundamental. A disciplina trabalhada nesse curso é denominada ‘Metodologia e Fundamentação Teórica do Ensino de Português’, e os sujeitos-participantes são alunos da 3ª série do magistério de uma escola pública do respectivo município. A Proposta Curricular de Santa Catarina1 (1998, p. 55), ao abordar o estudo de Língua Portuguesa, adota a concepção de ensino de língua na perspectiva de Bakhtin, ou seja, um ensino de língua a partir do uso da linguagem decorrente do contexto sócio-histórico-cultural do falante.



1 A Proposta Curricular de Santa Catarina constitui-se um documento oficial de ensino, dirigido aos professores da rede pública estadual.

METODOLOGIA:

A pesquisa se caracteriza, de acordo com a abordagem do problema, como qualitativa, havendo a interpretação do fenômeno.  O instrumento de coleta usado na pesquisa foi o questionário aberto ou texto opinativo, sem alternativas e com respostas livres. Por procurar descrever as características de determinada população, é pesquisa descritiva. O estudo de caso teve início com uma sondagem aplicada pelas professoras junto aos alunos no primeiro dia de aula. Os alunos escreveriam qual a concepção de Língua Portuguesa e Gramática Normativa eles traziam internalizada de sua escolaridade. Nas aulas seguintes, as professoras, através de aulas expositivas, debates, textos e exibição do DVD - TVESCOLA - Salto para o Futuro - Ler e escrever compromisso da escola - Parte I “Para além da aula de Língua Portuguesa”, apresentaram concepções da Sociolingüística Variacionista, de Willian Labov.  Efetivada a seção de debates, organizados num período de 30 dias, com 3 aulas semanais, aplicou-se a segunda sondagem aos mesmos alunos, para verificar a assimilação da teoria lingüística.  A constituição social dos informantes obedece ao seguinte perfil:

 

·         número de participantes: 21 alunos;

·         escolaridade: 3º ano do Curso de Magistério - Séries Iniciais e Educação Infantil (ensino médio);

·         disciplina: Metodologia e Fundamentação Teórica do Ensino de Português;

·         nível de escolaridade: 2 informantes com nível superior incompleto;

faixa etária dos informantes 18 a 28 anos: 17 alunos; acima de 30 anos: 4 alunos.

RESULTADOS:

As pesquisadoras obtiveram os seguintes resultados com a pesquisa: os 21 sujeitos entrevistados na primeira sondagem mostraram um resultado de 10% de alunos que souberam diferenciar Língua Portuguesa de Gramática Normativa, conceituando com clareza os dois itens; 57% dos alunos não souberam diferenciar claramente os dois itens, mostrando falta de conhecimento científico sobre o assunto e definindo Língua Portuguesa e Gramática Normativa como conceitos iguais e, em alguns casos, mostraram-se incapazes de definir tanto um quanto outro. Isso ficou explícito (o aluno escreveu) na produção textual; em 33% das amostras, percebe-se que há clareza quanto a um conceito (Língua Portuguesa), mas isso não ocorre com o outro conceito(Gramática Normativa). A segunda sondagem, aplicada pelas professoras após o trabalho em sala de aula com os mesmos alunos, no total de 21 amostras, mostrou um resultado inverso. O resultado obtido foi de 66,6% dos alunos que souberam distinguir os dois conceitos, ou seja, Língua Portuguesa é diferente de Gramática Normativa; 19% dos alunos reconheceram que há diferenças, mas não foram claros quanto a elas; 9,4% dos alunos não conseguiram diferenciar com clareza os dois conceitos. Os dados coletados na primeira investigação confirmaram que a maioria dos alunos, mesmo tendo concluído o ensino médio, não possuem a compreensão das diferenças entre Língua Portuguesa e Gramática Normativa e ao final da segunda sondagem, passaram a diferenciar claramente os dois termos.

CONCLUSÕES:

Em face da análise dos resultados apresentados, conclui-se que se faz necessária uma mudança no ensino da Língua Portuguesa no ensino médio e no ensino fundamental. O ensino tradicional de língua portuguesa investiu no conhecimento da descrição da língua supondo que a partir desse conhecimento o falante melhoraria o desempenho no uso da língua. O conhecimento gramatical é necessário para aquele que se dedica ao estudo da língua e ao seu ensino. Mas não é totalmente necessário para aquele que quer aprender a ler criticamente e escrever com êxito. Partindo da perspectiva da Sociolingüística que pretende superar o idealismo homogeneizante da Lingüística Contemporânea, derrubando as fronteira entre o sistema lingüístico e seu uso, o objeto de estudo da língua passa a ser a manifestação da linguagem no contexto social, heterogênea e variável, sobretudo em situações informais. A Sociolingüística sugere soluções passíveis para o conflito entre a variedade padrão, historicamente fomentada pela gramática normativa e as variedades estigmatizadas manifestadas pelas classes socioeconomicamente marginalizadas. 

É preciso que o ensino de língua na disciplina de Metodologia e Fundamentação Teórica do Ensino de Português do curso do Magistério-Séries Iniciais e Educação Infantil seja pautado nas novas perspectivas lingüísticas, priorizando o estudo da enunciação e pressupondo a interação verbal, para que haja transformações nas futuras práticas pedagógicas dos docentes em formação.

 
Palavras-chave: língua portuguesa; gramática normativa; Sociolingüística.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006