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H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 7. Música e Dança
O CONHECIMENTO NOVO NA COMPOSIÇÃO MUSICAL INFANTIL
Leda de Albuquerque Maffioletti 1
(1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, DEE)
INTRODUÇÃO:
Ao elaborar suas composições musicais, as crianças analisam, comparam e empenham-se na busca de uma maneira de pôr ordem no universo sonoro. Elas refletem sobre o que fazem: decidem o que vem antes e o que vem depois, prolongam e encurtam os tempos, usam ênfases e empregam estratégias para que seu trabalho seja compreendido como “música” pelas pessoas do seu convívio social. Por trás das decisões estéticas da composição, está a apreensão de significados culturais e de atribuição de significados próprios. Propor à criança que ela faça uma música “como gosta, ou acha que fica bem” significa encorajá-la a encontrar, por si mesma, uma maneira de imprimir significado aos sons de sua composição. As tipologias levantadas sobre a incidência de determinados elementos na composição, as condutas típicas das idades ou dos níveis de desenvolvimento da composição, orientam-se pela busca de regularidades. O presente estudo encontrou explicações para o desenvolvimento da composição pesquisando o oposto: como surgem as novidades. O objetivo desta pesquisa foi buscar razões que possibilitassem compreender como surge o conhecimento novo na composição musical infantil. Sua relevância está na construção de um quadro teórico que explica a criação de novidades na composição musical infantil, vinculando-as aos processos gerais do desenvolvimento humano e sua inserção na cultura.
METODOLOGIA:
A pesquisa analisa o processo de composição musical a partir das diferenciações e integrações que caracterizam os processos de abstração reflexionante e os processos gerais do desenvolvimento humano e sua inserção na cultura. O trabalho apóia-se teoricamente na Epistemologia Genética de Jean Piaget e emprega o método clínico na coleta, avaliação e interpretação dos dados, com adaptações às peculiaridades do conteúdo musical. A análise das composições segue os fundamentos psicológicos da semântica musical de Michael Imberty. Os dados empíricos foram coletados no período de um semestre letivo e são constituídos por 140 entrevistas, 76 composições musicais elaboradas por 70 sujeitos de 6 a 12 anos, estudantes de uma escola de Ensino Fundamental da rede particular de Porto Alegre. Os instrumentos musicais disponibilizados foram xilofone contralto e metalofone soprano. Todas as sessões foram filmadas com câmera digital fixa operada pelo pesquisador. Os procedimentos da análise e avaliação dos dados foram: a) transcrição das composições para a pauta musical b) degravação integral das entrevistas; c) análise das cenas de composição e análise musical das partituras; c) avaliação das entrevistas; d) comparações entre processos de composição e processos de abstração reflexionante identificados nas entrevistas e) discussão teórica. A interpretação dos dados orientou-se pela busca de compreensão e explicação das transformações que ocorrem nos modos de produzir o conhecimento musical.
RESULTADOS:
Os dados revelaram que as crianças compõem espontaneamente mesmo sem ter tido experiências anteriores com essa atividade. As experiências corporais vividas no cotidiano são generalizadas para o instrumento musical e apóiam as combinações sonoras. O uso do gesto simbólico evidenciou-se como forma de evocar um som já realizado, como antecipação do que precisa ser feito e para ajudar a pensar sobre o que realizam. As crianças exploram amplamente as possibilidades sonoras do instrumento musical e o sentido de orientação do movimento, situando-se no espaço-tempo de suas composições a partir da experiência corporal. Constatou-se que (a) o surgimento da intencionalidade modifica o modo de organização das sonoridades na composição; (b) a capacidade de reencontrar uma idéia musical anteriormente executada e o emprego de estratégias de composição dependem dos avanços no desenvolvimento das representações; (c) os modelos de organização das sonoridades apoiados em regularidades motoras ou perceptivas preparam as articulações mais complexas no plano das representações; (d) a duração da composição pode estar vinculada ao comprimento do trajeto percorrido sobre as teclas e ao tamanho do instrumento; d) a realização de avanços e recuos na macroestrutura da composição é solidária ao surgimento de um modelo de organização sonora que modifica a progressão do tempo na composição e libera, gradualmente, a noção de tempo dos seus referenciais espaciais.
CONCLUSÕES:
A capacidade para orientar-se na progressão do tempo exige a reconstrução das experiências corporais no plano das representações. Em todas as idades estudadas, o conhecimento novo na composição musical infantil acontece em momentos de sínteses. A formação de interdependências entre os níveis anteriores e posteriores do desenvolvimento e o caráter retroativo das construções novas transformam o modo de produzir o conhecimento musical. As interdependências observadas foram: a) interdependências que implicam ações e seus resultados; b) interdependências que implicam relações entre si; c) interdependências que implicam co-seriações. A construção de interdependências novas promove avanços no modo de articular os eventos sonoros no interior da composição. As primeiras articulações realizadas, articulações do tipo I, consideram aspectos imediatos e facilmente apreendidos pela consciência. As articulações do tipo II apóiam-se num sistema de coordenadas que permite a conservação de uma regra para apoiar enlaçamentos mais distantes no tempo. Nas articulações do tipo III, os eventos que se sucedem no tempo organizam-se tendo em vista a duração total da composição. A abstração das regras que regem as combinações sonoras permite a comparação dos segmentos entre si independentemente de sua ordem na seqüência do tempo. Um segmento musical vincula-se a outro a partir das relações de complementaridade obtida por combinações mentais. Esse tipo de articulação envolve relações de natureza lógica e implicativa.
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Música; Epistemologia Genética ; Aprendizagem.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006