IMPRIMIR VOLTAR
D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 5. Saúde Coletiva

MORTES VIOLENTAS, LINCHAMENTOS E EXECUÇÕES SUMÁRIAS: FORMAS ATUAIS DE VIGILANTISMO NO COTIDIANO DA BAHIA.

Tagore Trajano de Almeida Silva 1
Ceci Vilar Noronha 1
Rafael Torres de Cerqueira 2
(1. Universidade Federal da Bahia - Instituto de Saúde Coletiva; 2. Faculdade de Ciência e Tecnologia)
INTRODUÇÃO:

Na Bahia visualiza-se, ao decorrer dos últimos 15 anos, um crescimento simultâneo dos índices de criminalidade urbana e da violência extralegal, seja a praticada por multidões de civis movidos pela ira em relação aos transgressores, ou as ações de grupos de extermínio. Nos últimos anos, ainda é alto o número de casos de linchamentos e execuções noticiados na imprensa baiana, o mesmo fenômeno se reflete nos atendimentos de urgência dos hospitais e unidades de saúde. Se tomarmos as estatísticas da Polícia Civil, tivemos em 2001, 42 linchamentos e 28, em 2002. Considerando a imprensa como fonte, os números são mais altos, pois no período de 1997 a 2001, tivemos 166 matérias relativas a linchamentos ou tentativas que não levaram à morte das vítimas por conta da intervenção policial. Por conseguinte, a complexidade do objeto de estudo se revela pela dificuldade mesma em obter números precisos. O mesmo ocorre com as mortes e lesões provocadas pelas ações de exterminadores. De 1996 a 1999, segundo a imprensa, 332 mortes foram atribuídas à ação desses grupos na Bahia. Ademais, a recente criação do Grupo Especial de Repressão aos Grupos de Extermínio pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia leva a crer que o problema assumiu maior visibilidade nas políticas públicas do Estado. Em tal contexto, generaliza-se o sentimento de insegurança e a descrença nos aparelhos policias e judiciais. Assim, espera-se obter uma reconstrução ampla das implicações sociais e legais desses eventos.

METODOLOGIA:

Este estudo está coletando e analisando dados e informações sobre execuções sumárias e linchamentos na Bahia, especialmente, para os eventos ocorridos em Salvador, no período de 2002 a 2005. Dada à complexidade do objeto estudado, as estratégias metodológicas foram quantitativas e qualitativas, visando tanto levantar o número de mortos e feridos, o de inquéritos iniciados para a punição dos envolvidos como agressores; quanto compreender as lógicas que presidem tais eventos. Espera-se obter uma reconstrução ampla das implicações sociais e legais das execuções sumárias e das práticas de linchamento: Quem participa das agressões? Por que participa? Quem é vítima desses atos? O que pensam os policiais sobre esses crimes? Assim, o desenvolvimento do projeto implicou em levantar informações junto a: Jornais – reunir todas as matérias relativas aos eventos em estudo, analisando também as narrativas dos jornalistas. Acredita-se que estes profissionais não apenas descrevem os fatos, mas emitem valores em relação às vítimas e as motivações dos agressores; Polícia Militar – compilar as estatísticas disponíveis em registros de ocorrência e entrevistar um número de policiais que fazem o policiamento de rua para conhecer o que eles pensam sobre estes crimes; Polícia Civil – coletar as estatísticas de ocorrência de homicídios ou lesões corporais, bem como levantar o número de inquéritos; Ministério Público – levantar os processos e denúncias relativas aos eventos em estudo.

RESULTADOS:

Tentou-se identificar e rever textos relativos ao problema investigado. No primeiro momento trabalhou-se com matérias jornalísticas que compreendiam dois grandes problemas em nosso contexto: os grupos de extermínio e os linchamentos. Metodologicamente buscamos conhecer e interpretar os dois fenômenos em separado por conta da complexidade de cada um deles. No período estudado foram encontradas 152 matérias sobre execuções primárias, das quais 83% foram casos ocorridos na Bahia. No espaço baiano, destaca-se a Região Metropolitana de Salvador em número de ocorrências, correspondendo a 63% dos eventos. As matérias descrevem que a atuação dos agressores é orientada para matar pessoas jovens envolvidas em atividades criminosas ou pessoas que detém informações sobre as redes de tráfico, roubo de cargas e outros ilícitos. É intensa a atividade dos grupos de extermínio, pois quando um deles é preso os números de mortes atribuídas ao mesmo, por vezes, chega a dezenas de pessoas. Entre 2003 e 2005, o Conselho Estadual de Direitos Humanos da Bahia estimou que 30% dos homicídios têm características de ações perpetradas por exterminadores. Quanto aos linchamentos, encontramos 200 matérias que narram à atuação dos agressores, cujas ações visam os criminosos reincidentes, já que representam um “perigo para a comunidade”. Movidos por sentimentos de ódio e revolta cidadãos em estado de multidão cometem tais ações.

CONCLUSÕES:

As conseqüências da violência extralegal levantam desafios à própria ordem constitucional, pois as estratégias de “justiça popular” encontram-se disseminadas com a participação de policiais e outras instâncias de poder. Desvendar para a sociedade as estreitas articulações entre as práticas de linchamentos e execuções arbitrárias, interpretando-os sobre a ótica da teoria do vigilantismo: grupos sociais dispostos a disputar com o Estado constituído o monopólio do uso da força para utilizá-la contra os “indesejáveis”. Os discursos da imprensa que estamos analisando indicam que são vítimas de exterminadores ou de linchamentos adolescentes ou adultos jovens, envolvidos com atividades ilegais, por vezes, crimes contra o patrimônio ou tráfico de drogas. Todas essas situações seriam casos a serem resolvidas com a mediação das agências de controle social. Já quanto às conseqüências do linchamento são diversas, tanto para os agressores que pouco figuram como indiciados nesses crimes, já que há uma dificuldade em se identificar os autores; tanto para as vítimas que não tiveram o direito de se defenderem em um procedimento judiciário específico. O que se percebe é que a violência policial, que pode se dar através das ações de extermínio, é tanto mais comum quando há um governo civil fraco, incapaz de manter seu braço armado sob controle e de exigir punição para os transgressores.

Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Linchamentos; Execuções Sumárias; Controle Social.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006