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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 11. Ensino-Aprendizagem

COMO A ESCOLA PODE ENGESSAR O PENSAMENTO: UM ESTUDO PIAGETIANO SOB A LUZ DA COMPLEXIDADE

João Alberto da Silva 1
Fernando Becker 1
(1. Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
INTRODUÇÃO:

A proposta desta pesquisa surgiu da ânsia de procurar compreender o que acontece no universo escolar. Particularmente, o que chama a atenção deste pesquisador é a mudança radical que ocorre entre as turmas dos anos iniciais, que possuem, geralmente, uma única professora e uma proposta curricular mais integrada, e as turmas dos anos finais, que trabalham com vários professores e muitas disciplinas.

As idéias de Jean Piaget continuam a responder a maioria dos questionamentos que surgem no campo epistemológico acerca do processo de construção do conhecimento. Nos últimos anos, a proposta que parece consolidar-se como a nova referência às ciências é o paradigma da complexidade. Embora o mestre genebrino não utilize ou faça alusão direta a um paradigma, acredita-se que a Epistemologia Genética seja o programa de pesquisa que mais bem representa, no campo epistemológico, esse novo pressuposto.

A resposta ao problema de como a complexidade do conhecimento se relaciona com sua construção no ambiente escolar parece caminhar na direção de uma prática baseada no senso comum. O conhecimento acaba por não se diferenciar de uma situação sistêmica típica, o que lhe dá uma dimensão complexa em todos os patamares. Equivocadamente, a escola tem uma posição paradigmática na qual a complexidade do conhecimento é considerada como uma mera soma de partes. Maior engano não poderia ser feito, pois o conhecimento é essencialmente complexo, sendo seu processo de construção e não de acumulação.

METODOLOGIA:

A pesquisa se caracterizou por ser um estudo de cunho qualitativo. A metodologia empregada foi inspirada no Estudo de Caso. A escolha recaiu sobre esse tipo de pesquisa por ser uma modalidade que permite uma maior profundidade sobre o tema abordado, bem como o uso de múltiplas fontes de evidências. Trata-se da análise de uma situação contemporânea, de relações ativas que deviam transcorrer normalmente em seu contexto enquanto a coleta de dados era feita. Diante dessas características, o Estudo de Caso mostrou-se como a estratégia mais eficaz e adequada.

O caso escolhido foi o de uma escola pública da rede municipal que oferecia as quatro séries finais do Ensino Fundamental em regime anual e seriado. A preferência por essa modalidade ocorreu pela maior evidência da fragmentação e separação dos conteúdos. Os alunos vêm das séries inicias acostumados com uma única professora, com um conteúdo mais flexível e interligado. Quando chegam à quinta série, isso é radicalmente modificado. Instaura-se o regime disciplinar.

A estratégia de pesquisa se valeu de entrevistas semi-estruturadas, inspiradas na abordagem clínica criada por Piaget, com alunos e professor; de observações diretas do tipo participante como observador; da análise documental de textos elaborados pela escola e órgãos governamentais. Procurou-se identificar a coerência e a divergência entre o que os professores dizem fazer daquilo que realmente fazem, em contraposição com aquilo que legalmente seguem.

RESULTADOS:

O engessamento do pensamento

 

Engessar o pensamento é impedir a atividade criativa do sujeito em benefício da repetição, atribuindo-lhe uma visão estagnada do que é certo ou errado; é a imposição do modelo estanque a ser seguido, do qual qualquer alteração ou desvio é percebido como erro a ser corrigido. Do ponto de vista epistemológico, os estudos de Piaget podem ajudar a compreender melhor essa situação. Tolhido de uma postura ativa, o sujeito tende a manter-se fechado sobre si mesmo, em uma situação de egocentrismo intelectual. A superação da ingenuidade envolve a tomada de consciência de suas ações e a fortiori as operações lógico-matemáticas. Sem ação não há conscientização, pois a tomada de consciência não precede a ação, mas provém dela.

A Lei e o projeto político-pedagógico construído pela escola trazem uma política de intenção bastante dialógica. Contudo, as múltiplas fontes de evidência permitiram investigar com maior profundidade a real coerência dos dados apresentados. Do ponto de vista paradigmático, a escola reproduz uma idéia reducionista, eliminando qualquer perturbação que surja no âmbito do processo de aprendizagem. O reducionismo apresenta-se como um dos pilares das estratégias anti-reflexivas. Os instrumentos para dominar o pensamento são claros: o exemplo, o exercício de complete, o copie, a avaliação reprodutora. Se a função do ensino escolar é tolher e moldar o pensamento, esses são o próprio gesso e a argamassa

 

CONCLUSÕES:

Os documentos analisados apresentam uma coerência entre si que se dirige a um ensino baseado na pluralidade de idéias, com um zelo pela aprendizagem. Alguém escreve esses documentos, mas, infelizmente, essas pessoas não chegam a penetrar no âmago do fazer escolar. Cria-se um discurso que exibe uma educação fictícia e pitoresca. Quando se confronta os dados dos documentos com os coletados através das observações, percebe-se o quanto eles destoam. Os professores não são construtores da sua escola, eles são reprodutores e, quando reproduzem, o fazem de forma parcial e deformada. O aluno é treinado para reproduzir o conhecimento porque o professor também é um reprodutor. Trata-se de um terrível círculo vicioso, no qual se ensina como se aprendeu, prolongando, indefinidamente, o senso comum.

Aparentemente, o cartesianismo surge como um obstáculo paradigmático para a aprendizagem na escola, face às constatações da ciência e desta pesquisa. Entretanto, o obstáculo para a escola é o senso comum, que se apóia e estende um paradigma decadente porque é avesso a mudanças. No campo epistemológico, o empirismo/apriorismo da epistemologia do professor não é o de Skinner e Hull ou da Gestalt. É um empirismo/apriorismo de ninguém. Está aí o grande problema do professor e da escola: a ciência é infinitamente superada pelo senso comum, o qual se constitui como um obstáculo epistemológico para a construção de novas propostas dentro do ambiente escolar.

Instituição de fomento: CNPq
 
Palavras-chave: Epistemologia Genética; Complexidade; Escola.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006