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G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 1. Antropologia da Religião
ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA PÚBLICA: A SITUAÇÃO NO RIO DE JANEIRO
Emerson Alessandro Giumbelli 1
(1. Professor Doutor do Departamento de Antropologia Cultural, UFRJ)
INTRODUÇÃO:

A Constituição Federal de 1988 manteve um dispositivo que se faz presente desde a carta de 1934. Em seu artigo 210, parágrafo 1º, está estipulado: “O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9394/96) – modificada, especificamente quanto ao ensino religioso, pela Lei 9475/97, a qual explicitou que os professores seriam pagos com recursos públicos – e algumas decisões do Conselho Federal de Educação remeteram aos estados a implementação do dispositivo constitucional. Assim, a partir do final da década de 1990, ocorreram discussões e movimentos em vários estados brasileiros visando a definição de modelos para a efetivação do ensino religioso em escolas públicas. Este trabalho acompanha o processo no Rio de Janeiro.

METODOLOGIA:

A pesquisa foi desenvolvida nos anos de 2004 e 2005. A metodologia empregada reuniu algumas técnicas de pesquisa de tipo qualitativo derivadas dos saberes associados às ciências sociais. Uma primeira fase envolveu a consulta aos arquivos legislativos, a fim de levantar as discussões ocorridas por conta da aprovação da lei estadual que regulamenta o assunto (lei 3459, promulgada em 14 de setembro de 2000). Outros documentos normativos foram consultados e analisados: outras discussões legislativas, decretos governamentais, decisões judiciais, resoluções do Conselho Estadual de Educação e orientação da Secretaria Estadual de Educação. Uma segunda fase dedicou-se à realização de entrevistas com os principais protagonistas do processo: parlamentares, lideranças religiosas, pessoas vinculadas à Secretaria de Educação. Por fim, foram consultados os jornais locais, em busca de posicionamentos e reportagens sobre o ensino religioso.

RESULTADOS:

            A pesquisa demonstrou a centralidade que desempenhou a lei 3459/00 para a formulação do modelo de ensino religioso no Rio de Janeiro e para o delineamento dos debates a seu respeito. A característica principal da lei é a definição de um modelo confessional, segundo o qual os alunos que se dispõem a freqüentar a disciplina devem ter professores e conteúdos próprios a cada confissão, cabendo às autoridades religiosas papéis cruciais, tanto no credenciamento dos professores, quanto na definição dos conteúdos de ensino. O projeto de lei foi apresentado por um deputado católico e contou com o apoio da Arquidiocese local. No âmbito legislativo, houve reações com a proposição de outro projeto de lei, apoiado por outras entidades religiosas a favor de um modelo interconfessional, que chegou a ser aprovado pelos deputados, mas acabou vetado pela governadora. À mesma época, foi realizado um concurso para professores de ensino religioso, cujas 500 vagas ficaram divididas em três grupos: 342 postos católicos, 132 postos evangélicos e 26 postos para os demais credos. Exigiu-se dos candidatos formação universitária, com título de licenciatura plena, além do credenciamento pela respectiva autoridade religiosa. Hoje, os quase 500 aprovados estão inseridos nas escolas da rede estadual, sob a supervisão de suas autoridades religiosas. Contestações judiciais ao modelo fluminense foram apresentadas no âmbito estadual e agora tramitam na esfera federal.

CONCLUSÕES:

A definição do modelo confessional no Estado do Rio de Janeiro recolocou o debate acerca da interpretação do princípio da laicidade. Nesse caso, o não envolvimento do Estado na esfera religiosa afirmou-se, paradoxalmente, pela delegação às autoridades religiosas do papel de definição de conteúdos e credenciamento de docentes. Na prática, os credos contemplados são o católico e o evangélico, por conta de sua condição de absoluta maioria entre a população e conseqüentemente entre os alunos. Se para a Igreja Católica, isso significa a tentativa de garantir um espaço de influência que já é historicamente seu; para os segmentos evangélicos, a confessionalidade representa o avanço sobre um terreno novo – o que levanta a questão sobre as possíveis alianças e tensões em torno do ensino religioso. Torna-se agora necessário investir em comparações para mostrar como em outros estados – e sabe-se que em vários deles a confessionalidade não foi adotada – se deram as definições correspondentes. Ainda sobre o Rio de Janeiro, cabe a realização de pesquisas que levantem a situação concreta em diferentes escolas, para sabermos como funcionários, docentes e alunos vêm eles mesmos interpretando o modelo estabelecido em âmbito estadual.

Instituição de fomento: Fundação Universitária José Bonifácio e Instituto de Estudos da Religião
 
Palavras-chave: ensino religioso; escola pública; laicidade.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006