A relevância da intervenção dos movimentos sociais na construção de uma educação hegemônica, para o acirramento das desigualdades sociais, tem sido muito discutida.Contudo, a presente pesquisa não foca o seu estudo na educação não institucionalizada.Pelo contrário, esta análise se centra na possibilidade de ação transformadora dentro de um ambiente formal, como a escola.Os atuais projetos educacionais paulistas, como o Programa da Escola da Família, implementado no ano de 2003, introduzem a discussão da possibilidade de transformação partir do universo escolar.A mudança prevista se concretiza a partir da interação da comunidade com a escola aos finais de semana.O objeto central da presente pesquisa se refere à compreensão da corrente teórica em que se fundamenta o Programa, bem como à análise de sua sustentabilidade prática.É necessário situar a Escola da Família dentro do debate das correntes pedagógicas contemporâneas.O Programa credita à escola a função de manter atividades que se denominam extracurriculares, cabe à escola atuar em manifestações espontâneas de conhecimento como as áreas artísticas, esportivas e sociais. Para S. Gamboa, há uma preocupação com esses modelos pedagógicos em que são destaques as relações subjetivas e culturais, conforme há o afastamento do compromisso com a formação científica, o modelo subjetivo se torna “pobre em conteúdo real”.Para D. Saviani, a escola é uma instituição cuja responsabilidade deve estar vinculada ao saber sistematizado.

É importante destacar que a presente pesquisa se dividiu em duas partes, sistematicamente relacionadas. A primeira consistiu em uma análise da inserção do Programa da Escola da Família dentro do histórico das concepções pedagógicas vigentes no Brasil. Em um segundo momento, foi importante observar as atribuições práticas desses dois anos de implementação do projeto. Até meados da década de 1970, o paradigma positivista dominou as pesquisas em educação. A preocupação principal dos estudos educacionais se vinculava ao discurso tecnicista. Nesse sentido os resultados esperados estavam subordinados ao aumento quantitativo dos índices escolares. Assim, as pesquisas na área pedagógica se norteavam pela concepção quantitativo-realista. No início de 1980, se observou uma ampliação das correntes teóricas preocupadas em negar o paradigma vigente cuja raiz notadamente estava no positivismo. Dessa maneira, se constitui uma nova concepção científica centrada no discurso de ampliação da conceituação de ciência e de desconstrução do modelo vigente. Emergem, então, novas concepções pedagógicas preocupadas em estabelecer múltiplas relações culturais, a partir de múltiplos sujeitos e seus reflexos na educação. Para compreender as contemporâneas tendências pedagógicas foi importante analisar a recente obra de José Carlos Libâneo As teorias pedagógicas modernas resignificadas pelo debate contemporâneo, bem como a contribuição de Sílvio Sánches Gamboa Reflexões sobre o pós-moderno na Educação.

A partir de uma genérica interpretação das correntes pedagógicas atuais, é sólida a aproximação entre o Programa da Escola da Família e a corrente pós-moderna. É importante destacar que atualmente há uma banalização do termo “pós-moderno”, mesmo com as dificuldades de se conceituarem as definições que o englobam. Alguns intelectuais, como A. Touraine, preferem outras definições, como desmodernização, que ainda evidenciem o processo tardio da modernidade na atualidade. Nesta pesquisa, segue-se a linha de Libâneo, em que o pós-moderno é entendido para identificar as mudanças contemporâneas marcadas por rupturas com o modelo pragmático. O Programa, como pontuou o governador, é um projeto que valoriza as manifestações culturais locais e cria espaços de convívio amigável e pacífico. Nesse sentido, se aproxima das contribuições de M. Foucalt e dos pós-estruturalistas quando releva que a escola não é mais o ambiente da construção da consciência crítica, mas das múltiplas manifestações culturais. Analisamos, posteriormente, se esse projeto teve efetivação no sentido de democratizar o ensino no Estado. Um resultado efetivo é que a comunidade começou a aceitar a idéia de que a escola não é do governador e nem do diretor, a escola é um ambiente construído e direcionado à comunidade que a envolve. No entanto, ainda é cedo para constatar que o projeto conseguiu grandes transformações no sentido de diminuição da violência e de mudança da visão sobre a escola.

As transformações da sociedade contemporânea, convencionalmente denominada de pós-moderna, introduziram ao debate pedagógico elementos fundamentais no que se refere à nova concepção de ciência.A Escola da Família se inseriu nesse contexto de mudanças na intervenção teórica, fazendo questão de evidenciar as experiências pessoais dos envolvidos no Programa, da importância cultural dada pelas atividades desenvolvidas.Portanto, é um projeto que abrange primordialmente conceitos vinculados à corrente pós-moderna, comprometida com as atribuições subjetivas da função escolar e da contribuição do saber não-sistematizado na construção do conhecimento.Para G. Chalita, com o desenvolvimento do Programa, o aluno construiu um novo conceito de escola em que a instituição deixou de ser uma referência autoritária, considerada detentora exclusiva do conhecimento, para se tornar um espaço sagrado em que o aluno dialoga e é respeitado. Infelizmente essa modificação na visão da comunidade é questionável se comparada às realidades observadas nas escolas.É possível constatar que a escola é uma das possíveis mediadoras no processo de transformação social. Contudo, a transformação escolar não se desvincula, segundo Libâneo, da “análise interna”, (didática, metodológica).Nesse sentido, a instituição escolar pode ser uma potencializadora para as mudanças na sociedade brasileira desde que os projetos públicos, como a Escola da Família, consigam unir os saberes sistematizados e os não-sistematizados.