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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 9. Direito Penal

DIREITO PENAL DO INIMIGO: UMA ANÁLISE À LUZ DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988

Lídia Priscilla Rodrigues da Silva 1
(1. Graduanda da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás - FD/UFG)
INTRODUÇÃO:

A Constituição Brasileira de 1988, em seu art. 1°, instituiu um Estado Democrático de Direito que tem com um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana e, em seu art. 5º, salvaguardou um vasto rol de direitos e garantias individuais. Por valorizar sobremaneira o homem, esta Carta Constitucional deixou de recepcionar vários dispositivos do Código de Processo Penal, enquanto exigiu de outros nova interpretação. Toda essa preocupação com o ser humano teve uma razão: impedir que bens jurídicos como a vida e a liberdade fossem alvo de interesses escusos e arbitrários como outrora ocorrera no Brasil. Apesar disso, em 2003, na Alemanha, Günther Jakobs desenvolveu uma teoria que, uma vez aplicada, poderia colocar em xeque garantias e direitos fundamentais. Para ele o direito penal teria duas faces. A primeira, seria o direito penal do cidadão aplicado ao criminoso comum, que com sua conduta promoveu uma desautorização da norma, mas que, por não perder sua condição de cidadão, deveria ser processado segundo os ditames constitucionais. A segunda, seria o direito penal do inimigo que puniria os indivíduos considerados mais perigosos para a sociedade a exemplo dos terroristas. Nessa situação, o Estado estaria legitimado a suprimir direitos e garantias individuais, pois o criminoso não mais seria tido como cidadão. Destarte, buscou-se, nesse trabalho, analisar se o Direito Penal do Inimigo coaduna-se com a dignidade da pessoa humana consagrada pelo Constituinte de 1988.

METODOLOGIA:

Essa pesquisa foi elaborada, predominantemente, com base no método dedutivo. Assim, foram apresentadas noções gerais acerca do Estado Democrático de Direito, da Constituição Brasileira de 1988 e da dignidade da pessoa humana. Concluída essa parte, buscou-se compreender alguns princípios penais e processuais penais que mantêm íntima relação com a valorização do ser humano para, só então, analisar o Direito Penal do Inimigo e sua viabilidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro. Ainda foi utilizado o método dialético, pois foi do estudo e confrontação de idéias diversificadas que se alcançou uma conclusão envolvendo a problemática posta neste trabalho. Como referencial teórico-metodológico foi utilizada a hermenêutica constitucional de Peter Häbele e também o conceito heideggeriano  da estrutura circular da compreensão desenvolvido por Hans-Georg Gadamer. Também foi utilizado como referencial teórico a obra “A era dos direitos” de Norberto Bobbio que desenvolve um estudo acerca dos direitos fundamentais do homem e os concebem enquanto direitos historicamente conquistados. Quanto às técnicas de pesquisa, adotou-se o processo de documentação indireta que consistiu na pesquisa bibliográfica em livros, artigos em revistas especializadas, material bibliográfico encontrado nos meios eletrônicos relacionados ao Estado Democrático, à Constituição de 1988, à dignidade humana, ao direito penal do  inimigo e à hermenêutica constitucional.

RESULTADOS:

A Constituição Brasileira ao consagrar a dignidade da pessoa humana como fundamento  do Estado Democrático de Direito, elegeu-a como paradigma. Logo, qualquer norma que desrespeite essa dignidade  deve ser expurgada da ordem jurídica por flagrante inconstitucionalidade, de modo a garantir que todo o ordenamento jurídico penal e processual penal seja guiado pelo respeito aos direitos e as garantias individuais. Impede-se, assim, a submissão dos indivíduos a qualquer espécie de arbítrio. Nesse sentido, o direito penal do inimigo, por ser um direito penal do autor e não do fato, isto é, por punir o indivíduo antes que este realize qualquer conduta, simplesmente por não oferecer uma segurança cognitiva, fere claramente os princípios da proporcionalidade, da ofensividade e da presunção de inocência. Por outro lado, quando Günther Jakobs defende que o delinqüente-inimigo deve perder sua condição de cidadão, estar-se-ia permitindo a supressão pelo Estado dos direitos fundamentais desses indivíduos, o que representaria uma afronta aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ademais, a não observância do devido processo legal pode representar o desrespeito ao princípio da humanidade e da individualização das penas, na medida em que o inimigo, justamente por perder seu status de cidadão, poderia ser submetido a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes.

CONCLUSÕES:

A efetivação do Estado Democrático de Direito prometido pela Constituição de 1988 somente é possível com a proteção integral da dignidade da pessoa humana e dos demais princípios por ela consagrados. Todo indivíduo, sem exceção, possui dignidade simplesmente pelo fato de ter natureza humana. Portanto, essa qualidade inerente e distintiva de cada ser humano, geradora de um  complexo de direitos e deveres igualmente fundamentais, não pode ser afastada nem mesmo daquele indivíduo que venha a cometer os atos mais indignos. Se assim não fosse, a pessoa na seria rebaixada a mero objeto (instrumento), situação inaceitável em nosso ordenamento constitucional. Nesse sentido, a doutrina de Günther Jakobs, é incompatível com a ordem jurídica instituída pela Constituição de 1988. Primeiro, por considerar que o indivíduo possa perder seu status de pessoa, negando, assim, o caráter irrenunciável da dignidade humana. Segundo, pelo perigo que este direito penal do inimigo pode trazer, qual seja, servir para legitimar qualquer espécie de Estado (autoritário, ditatorial, nazi-fascista).  Rememorando os trágicos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial e os períodos de ditadura vividos no Brasil e em muitos outros países, percebe-se como é prejudicial concentrar nas mãos do Estado poderes ilimitados. E para limitar esse poder nada melhor  que a estrita observância do princípio da dignidade humana que  é base, freio e  dever a ser seguido por todos, sem exceção.

 
Palavras-chave: Constituição Brasileira de 1988; Dignidade humana; Direito penal do inimigo.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006