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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 5. Psicologia da Saúde

ATENÇÃO PSICOSSOCIAL E PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADE

Kalina Rodrigues  1
Carolina Fonseca Dadalto  1
Fernanda Pinto de Tassis  1
Gabriel Castro Augusto Alvarenga  1
Leila Domingues Machado  2
Maria Cristina Campello Lavrador  2
(1. Curso de Psicologia da Universidade Federal Do Espírito Santo / UFES; 2. Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo / UFES)
INTRODUÇÃO:
As diretrizes da Reforma Psiquiátrica Brasileira e as Políticas Públicas em Saúde apontam em direção à efetivação de estratégias desistitucionalizantes para lidar com a loucura. Dentre essas estratégias inclui-se a Residência Terapêutica, como uma modalidade substitutiva ao hospital psiquiátrico, voltada para aqueles que foram submetidos a tratamento hospitalocêntrico prolongado e que não possuem suporte social e familiar. No Estado do Espírito Santo foram criadas, em outubro de 2004, as duas primeiras Residências, localizadas no município de Cariacica e vinculadas a um Hospital Psiquiátrico Público. Essa experiência inovadora vem impondo inúmeros desafios aos pesquisadores, alunos e profissionais envolvidos. Considera-se que essas casas podem funcionar como dispositivos, ou melhor, como disparadores de interferências, visíveis e invisíveis, nos modos de vida de seus habitantes, dos cuidadores, dos vizinhos, da comunidade e da cidade. O desafio constante é o de não reproduzir o funcionamento de um hospital psiquiátrico miniaturizado e nem tampouco de institucionalizá-las como mais um serviço de saúde. Mas, ao contrário, concebê-las como uma morada, a partir da qual os seus habitantes possam construir as suas vidas, cada um a seu modo, em meio ao encontro com os outros, com a cidade e consigo. Objetivou-se com esse trabalho contribuir com a produção de conhecimento no campo da atenção psicossocial, analisando os processos de produção de subjetividade na contemporaneidade.
METODOLOGIA:

Utilizou-se a pesquisa intervenção como um procedimento que afirma a indissociabilidade entre pesquisador e pesquisado, entre sujeito e objeto, entre teoria e prática que se constituem em um mesmo processo. Intervir é se pôr como intercessor nas relações de produções sociais de existência, intensificando e fazendo vibrar o campo problemático da saúde mental. Por isso, além de escutar, observar e anotar, também interferimos e sofremos interferências, o que coloca em cena os modos, muitas vezes, naturalizados e cristalizados em nós de lidar com a experiência da loucura. Esse trabalho vem sendo realizado em uma residência masculina com 8 moradores e em uma residência feminina com 5 moradoras. Esses 13 moradores foram durante 12 meses, semanalmente acompanhados, individualmente ou em pequenos grupos, nas suas atividades cotidianas, como: hora do almoço, reuniões sobre a dinâmica do funcionamento da casa, passeios pela cidade e idas ao CAPS. Bem como foram realizados encontros com as Secretarias de Saúde e de Ação Social do referido município, com lideranças comunitárias, com organizações não governamentais e demais movimentos não organizados. O nosso problema de pesquisa centrou-se sobre como esses moradores estão vivenciando essa nova experiência e como a comunidade experienciou esse processo coletivo.

RESULTADOS:

O cotidiano de morar junto, ainda mais sem escolher com quem se quer partilhar parte da vida, impõe uma série de dificuldades, de desavenças e de insuportabilidades. Entretanto, destaca-se que nenhum morador quer voltar para o hospital e, cada vez mais, se sentem potentes para conversar sobre a dinâmica do funcionamento das casas e propor mudanças. Observou-se nitidamente a mudança nas posturas, nos gestos, nas falas e nos modos de estar na vida desses moradores, começaram a tomar posse da sua própria vida, afirmando o que desejam e o que não querem mais. Percebeu-se, o despertar da vontade de circular por novos espaços, uma vez que eles já não se satisfaziam com passeios feitos pela circunvizinhança. Os moradores falam também de interesses que vão além das situações presentes demonstrando claramente uma perspectiva de futuro, como a inserção no trabalho, a conquista da independência financeira, o início dos estudos por alguns e o reinicio por outros. Os homens conquistaram uma maior independência para circular pelo bairro e estabelecer contatos com os comerciantes e vizinhos. Enquanto as mulheres conquistaram um maior grau de pertencimento ao espaço da casa. Foi possível observar, também, um significativo envolvimento da comunidade com esses novos moradores do bairro, através de visitas às casas e convites para eventos realizados pela comunidade, muitos moradores e alguns comerciantes têm se mostrado, ao mesmo tempo, curiosos, acolhedores e solidários.

CONCLUSÕES:

Casa-morada como uma ponte que possibilita transitar pelas multiplicidades dos dinamismos espaço-temporais que podem conduzir a processos de diferenciação, de diferenciar, de diferenciar-se numa relação a si que implica a alteridade. Um arrancar-se de si mesmo, das mesmas coisas, das mesmas repetições do mesmo que entorpecem a vida e acionam a indiferenciação a tudo, em tudo, de tudo. Algumas vezes retornam os problemas de sintonia, de postura, de posicionamento frente às velhas e às novas situações. Às vezes, o ar fresco pode passar e as portas se abrem, um mundo, “uma vida”, nesse mundo e nessa vida, se vislumbra e invade cada uma dessas vidas cansadas, desgastadas, mas ainda pulsantes. Outras tantas vezes, o ar fica pesado e as portas se fecham para o mundo, para a cidade, para a rua. A casa se torna mais um serviço de saúde e os seus habitantes não podem mais sair, são proibidos de sair, as portas se trancam em todos os sentidos. Algumas restrições ainda são impostas aos moradores, em relação às práticas de liberdade e de autonomia. Entretanto, eles têm conseguido vivenciar o dinamismo espaço-temporal da cidade e estão experimentando construir as suas vidas sob outros parâmetros, diversos do funcionamento asilar manicomial. Por fim, essa pesquisa intervenção pretendeu contribuir com o processo da Reforma Psiquiátrica que visa transformar o modelo de assistência em saúde mental e, concomitantemente, com a afirmação da variação nos modos de vida.

Instituição de fomento: PETROBRAS
 
Palavras-chave: Saúde Mental; Desinstitucionalização da loucura; Dispositivo-Casa.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006