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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 3. Direito Civil

ATOS JURÍDICOS DE OPOSIÇÃO AO RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL: O CONTRATO E A DECLARAÇÃO DE NAMORO

Cláudio Simão de Lucena Neto 1, 2, 3
Vyrna Lopes Torres 1
(1. Depto. de Direito Privado, Universidade Estadual da Paraíba - UEPB; 2. Faculdades de Ciências Sociais e Aplicadas - FACISA; 3. Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal de Pernambuco - UFPE)
INTRODUÇÃO:

O surgimento de uma entidade familiar não é apenas um fato social. Importa em efeitos jurídicos patrimoniais, obrigacionais, direitos e deveres de natureza familiar e sucessória. Assim, dispor de elementos para conhecer o momento em que uma unidade de vivência se forma é importante para o direito, pois é a partir deste instante que emergem tais efeitos.

O casamento, celebração que formaliza o surgimento da união, estabelece um marco temporal objetivo, facilmente aferível, a partir do qual os efeitos jurídicos se devem produzir. Já a união estável, como está definida no nosso ordenamento jurídico, na Lei n.º 9,278/96, não depende mais do decurso de um determinado período de tempo, e, portanto, não oferece tal marco temporal, sendo conceituada e devendo sua existência ser investigada em função de outros critérios, como a publicidade do relacionamento e a intenção de constituir família, circunstâncias de fato, que dependem de prova. É evidente que a ausência de um parâmetro temporal objetivo pode levar o instituto a desvio de finalidade.

O objetivo deste trabalho é analisar a possibilidade de celebração de negócio ou da prática de um ato jurídico por meio do qual as pessoas que se encontram em um relacionamento de namoro possam pactuar, ou, pelo menos, constituir prova desta situação, de modo a atenuar o risco do reconhecimento indevido e, muitas vezes, injusto, de uma união estável, e a proteger, com um pouco mais de segurança, os interesses das partes.

METODOLOGIA:

O trabalho teve natureza qualitativa, uma vez que não objetivou numerar ou medir unidades ou categorias homogêneas, e sim descrever a complexidade da hipótese e do problema enfrentado, para, intervindo na realidade, sugerir solução concreta.

Os métodos escolhidos foram o dialético, vez que as questões envolvidas no problema não se exaurem no direito positivo, o indutivo e o analítico. A partir da detecção e da análise de uma controvérsia, bem como da reflexão interdisciplinar e da discussão em torno dela, transformou-se o mediato em imediato, apresentando-se as soluções adequadas ao caso em estudo.

Foram analisados os atuais posicionamentos doutrinários acerca da possibilidade jurídica do objeto contratual no direito brasileiro, bem como sobre os critérios para o reconhecimento da união estável, além de princípios gerais sobre a validade jurídica da declaração. Foi necessária, ainda, uma interpretação sistemática dos dispositivos legais vigentes, tanto na Constituição Federal, quanto no Código Civil de 2002, e legislação correlata, sobre os temas levantados. A jurisprudência dominante atinente às matérias também foi consultada e analisada.
RESULTADOS:

O casamento é uma situação meramente jurídica, cuja existência depende do atendimento de formalidades legais. A união estável não é uma situação apenas jurídica; depende fundamentalmente de circunstâncias de fato, como a publicidade e a ostensividade do relacionamento, a intenção de constituir família e a diversidade de sexos.

É juridicamente impossível às partes, ainda que expressando vontade sem vício, pactuar que as circunstâncias de fato que envolvem um namoro, por força de um contrato, não irão evoluir para um relacionamento que caracterize união estável.

O contrato de namoro por meio do qual se pretenda impedir o reconhecimento da união estável tem objeto juridicamente impossível, podendo constituir mero indício declaratório, e, mesmo assim, precário, porque, ainda que celebrado com prazo indeterminado, a situação ali descrita pode ser desconstituída com prova em contrário a qualquer tempo durante a sua pretensa vigência, cedendo com facilidade diante de testemunhas, fotos, documentos ou qualquer outra evidência da publicidade do relacionamento ou de que a intenção das partes é constituir família.

No entanto, declaração de namoro, firmada validamente e levada a registro público, na presença de testemunhas, como afirmação de vontade livre dos namorados, tem plena validade jurídica, embora só se aplique para atestar a situação declarada no momento em que foi prestada, e não tenha o poder de impedir a alteração futura de circunstâncias de fato.
CONCLUSÕES:

Ficou constatada a impossibilidade jurídica da celebração de um, assim chamado, contrato de namoro. A razão de tal impossibilidade repousa na própria natureza da constituição de uma união estável, que é, em essência, uma mera construção de fatos, sentimentos e intenções, à qual, pelo caráter familiar que assume, o ordenamento brasileiro atribuiu proteção jurídica. Estabelecer o compromisso expresso de que tais fatos, sentimentos ou intenções não sofrerão alteração futura, mesmo que seja apenas em um determinado período de tempo, não pode ser objeto de contrato válido, de acordo com os princípios que regem o direito nacional.

É possível às partes, contudo, constituir prova declaratória de que, no momento em que manifestam sua vontade, mantêm relacionamento de namoro apenas com finalidade de troca de necessidades afetivas superficiais, de conhecimento mútuo, de afinidade, entre outras, e ainda sem intenção de constituir família. Deve o direito, neste caso, recepcionar o conteúdo de tal declaração, bem como o marco temporal por ela estabelecido, além de salvaguardar os interesses e reconhecer os efeitos dela decorrentes, desde que, evidentemente, represente expressão da verdade, e que estejam livres e conscientes as vontades dos declarantes.
 
Palavras-chave: união estável; namoro; contrato.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006