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G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 3. Antropologia das Populações Afro-Brasileiras
MILITÂNCIAS ANTI-RACISMO ATUAIS: COMPREENDENDO O CASO DE MARÍLIA-SP
Leonardo Borges da Cruz 1
Andreas Hofbauer 2
(1. Universidade Estadual Paulista/ PPGCS-UNESP-Marília; 2. Departamento de Sociologia e Antropologia da UNESP Marília/DSA-UNESP/Marília)
INTRODUÇÃO:

No ano de 2001 demos início ao trabalho que neste momento apresentamos. Inicialmente como conclusão de graduação e atualmente como pesquisa de mestrado, nosso estudo hoje versa sobre a questão a saber se o movimento negro anti-racista atualmente pode ser visto como múltiplo, ambíguo, uno e/ou disperso.

Nossa atenção tem a se voltado para a compreensão da dinâmica constituída pelos militantes negros em Marília percebidos em quatro grupos distintos. São eles: Conselho Municipal do Negro de Marília (CMN), Grupo de Educadores Negros (GEN), Agentes de Pastoral Negros e Comissão Anti-racismo da Ordem dos Advogados do Brasil.

Após entrar em contato com nossos atores sociais, fizemos um recorte no sentido de abordar a dinâmica de identificação e inter-relacionamento militante entre o CMN e o GEN. Estes dois grupos podem ser entendidos como “pólos representativos” de duas perspectivas anti-racistas que têm construído parcela significativa da agenda anti-racista no Brasil durante os últimos anos - seja em nível local ou nacional.

Assim, o trabalho por ora proposto se propõe a apresentar nossa compreensão das relações/articulações constituídas entre o Conselho Municipal do Negro de Marília e o Grupo de Educadores Negros. Considerando os debates sobre a construção da igualdade entre negros e brancos no Brasil, e que perpassa essencialmente as questões relativas ao racismo e anti-racismo, especial atenção será dada às perspectivas de igualdade identificadas em cada um destes dois grupos.

METODOLOGIA:

Os contatos com os militantes negros em Marília constituem o ponto central de nosso trabalho de pesquisa. Nossa opção se deu no sentido de realizar entrevistas diretas [a utilização de gravador se deu conforme a autorização do(a) entrevistado(a)]. Porém, inicialmente procuramos fazer uma revisão bibliográfica sobre relações raciais, racismo e anti-racismo no Brasil e no mundo, selecionando prioritariamente autores que estudaram questões relacionadas ao tema no Brasil.

Após esta fase, decidimos direcionar nosso trabalho de campo, abordando algumas questões que nos pareciam problemáticas em âmbito teórico a fim de podermos melhorar a compreensão de tais “problemas”, na medida em que a pesquisa participativa fornecesse elementos para isto.

Assim as questões referentes às perspectivas de igualdade entre negros(as) e brancos(as) constituíram-se em nosso primeiro conjunto de questões às(aos) nossas(os) entrevistadas(os) - quase trinta no total. Como desdobramento, direcionamos nossas preocupações à forma como os grupos compreendem a cultura na qual estão inseridos, demonstrando ainda melhor a multiplicidade do movimento negro anti-racista.

Outro momento importante do trabalho tem sido a participação em eventos - científicos, artísticos e políticos - em conjunto com os(as) militantes.

Segue-se, por fim, a utilização de materiais impressos pelos grupos. Ali pudemos ter acesso as falas publicadas em nome de ambos os grupos, o que nos têm permitido o contraste com as emissões particulares.
RESULTADOS:

Após dois anos de trabalho de pesquisas bibliográficas e de campo - em nível de mestrado - nos é possível descrever alguns dos resultados que têm se destacado. Podemos iniciar constatando que havia uma necessidade de demarcar claramente as distinções entre o Conselho Municipal do Negro e o Grupo de Educadores Negros. Esta tendência, atualmente, não corresponde mais à realidade da luta anti-racista em Marília.

Ainda pensando nos demarcadores de limites entre os grupos, podemos afirmar que mesmo com uma profunda e recente aproximação entre os membros dos grupos - e neste ponto incluiremos ainda a Comissão anti-racismo da OAB/Marília - anti-racismo naquela cidade, há uma nítida diferenciação quanto às estratégias de militância.

Para o CMN a igualdade a ser constituída passa pelo tratamento indiferenciado de quaisquer atores sociais. As campanhas de conscientização da população negra visando a obtenção individual de acesso a bens e serviços que lhes eram e são negados constituem as principais ações. Para o GEN há um caminho a ser trilhado que inclui a diferenciação no tratamento (jurídico, educacional, em saúde pública) como forma de compensação dos ônus acumulados.

Quanto à estratégia da Comissão anti-racismo de OAB/Marília, em virtude de sua fundação ser muito recente (menos de dois anos) não há elementos suficientes para conclusões maiores. Ainda assim, alguns resultados apontam para uma perspectiva de luta diferencialista em seus aspectos jurídicos.
CONCLUSÕES:

Partimos em boa medida da constatação de que o movimento negro que apesar de ser constantemente considerado como desorganizado, carente de norteadores tem atingido objetivos memoráveis: Lei federal 10639/03, cotas em universidades, etc.

Ao estudar a luta anti-racista em Marília-SP pudemos compreender que se trata de um movimento organizado em sua multiplicidade. O que não o isenta de ambigüidades, e pode propor uma percepção de que o mesmo é desorganizado. Por exemplo, ao mesmo tempo em que alguns militantes pretendem valorizar características típicas da população negra brasileira, há uma valorização de hábitos e valores da população branca. Algo típico da assimilação cultural.

Os demarcadores dos grupos se dão em termos de estratégias de militância, na busca por uma sociedade mais democrática e livre de racismo. Estas mesmas perspectivas de luta podem ser compreendidas como intimamente relacionadas ao modo como a cultura brasileira é entendida e como os(as) militantes se vêem na cultura nacional. Para o CMN, de perspectiva indiferencialista, nossa cultura é vista como homogênea, híbrida (de negros, brancos, indígenas, etc.). Para o GEN, a perspectiva diferencialista permite uma compreensão de uma cultura nacional plural; segue daí suas propostas de valorização das diferenças sociais.

Talvez uma herança do comportamento comum entre os iorubas se encaixe bem na compreensão do movimento negro mariliense: mesmo sendo múltiplo, ele preserva sua unidade política, cultural e racial.
Instituição de fomento: O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - Brasil
 
Palavras-chave: movimento negro anti-racista; perspectivas de militância; cultura.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006