A partir da década de 1990, as ações de responsabilidade social empresarial vêm se ampliando no Brasil, quando um maior número de empresários passou a se preocupar com o agravamento dos problemas sociais gerados em grande parte pela crise do Welfare State e pela impossibilidade fiscal do Estado no atendimento das necessidades sociais de bem estar e previdência. Esses e outros aspectos dessa problemática questão possibilitaram uma atuação mais direta de empresários do setor privado junto às comunidades carentes, realizando diversas ações sociais, que podem ser filantrópicas e ou de intervenção social. Dentre essas práticas já é possível identificar algumas ações para a inclusão de grupos discriminados nas empresas. E é para a análise desse processo que se voltou esse estudo, objetivando compreender quais são as motivações que levam empresários a priorizar no recrutamento e seleção alguns grupos que comumente têm maior dificuldade de inserção no mercado de trabalho. Para isso analisamos o caso da Empresa Fersol S.A. que tem práticas de ação afirmativa para a inclusão de negros, pessoas portadoras de deficiência, entre outros grupos, como desdobramento de suas ações de responsabilidade social.

Esta pesquisa foi realizada por meio de entrevistas com os representantes da empresa, utilizando perguntas abertas como mecanismo de controle da própria subjetividade inscrita nos discursos, nos valores e práticas gerenciais do programa de responsabilidade social voltado para a inclusão de grupos discriminados, pois as práticas discursivas que estão circunscritas à organização podem influenciar ou mesmo fundamentar a tomada de decisão informando ações, diretrizes, objetivos, metas, procedimentos, processos, normas e regulamentos.

A análise de discurso acerca das epistemologias (com seus métodos derivados) pode propiciar uma tipologia das proposições ou mesmo uma dialética das frases encontradas nas narrativas, como observadas nas teorias acerca da identidade do sujeito nos paradigmas modernos. Com base em Foucault, procuramos identificar uma tipologia dos enunciados, função primeira da produção dos saberes mercê das oscilações, da mutabilidade dos diagramas circulantes do poder.

Utilizamos esta análise para entender a dimensão fundamental acerca dos enunciados, qual seja a sua regularidade e repetição, enquanto curva produtora de singularidades no domínio das práticas discursivas, inscrevendo proposições e frases, bem como objetos e o próprio sujeito falante em si, como funções derivadas suas. Esta metodologia nos possibilitou comparar discurso e prática empresarial para a compreensão deste recente fenômeno.

A Empresa Fersol vem adotando desde o ano de 1996 um modelo de gestão que valoriza a promoção da diversidade e vem sendo reforçado nos últimos anos por um programa interno de ação afirmativa para a contratação de grupos discriminados.

No período da realização deste estudo, a composição da mão-de-obra na empresa era de 61% de mulheres, 38% de afrodescendentes, 26% de pessoas acima de 45 anos e 3% de pessoas portadoras de deficiência. As entrevistas evidenciaram que as ações afirmativas da empresa foram motivadas por iniciativa da própria direção. Apesar de não ser muito elucidativo o motivo que levou a empresa a contratar preferencialmente pessoas de grupos discriminados, o que se assume é que tal iniciativa visa dar sustentabilidade à atividade empresarial na localidade em que a empresa mantém suas atividades. Contudo, importa considerar que as ações da Fersol impactam no perfil funcional da empresa, pois as ações afirmativas são realizadas tendo como base o perfil da sociedade, ou seja, há cotas para negros e outros grupos discriminados pela “necessidade de corrigir uma injustiça de séculos quanto a raça e gênero e outras formas de exclusão”.

As ações da Fersol fazem parte de uma agenda interna de responsabilidade social, que é realizada através da escola Fersol mantida dentro da empresa para os funcionários e para a comunidade e é através da escola que as vagas que surgem na empresa são oferecidas preferencialmente para negros e pessoas portadoras de deficiência.

Nossa visão é a de que a idéia de redistribuição de oportunidades e renda está implícita no programa de inclusão da Empresa Fersol S.A. através das ações de responsabilidade social, pois as ações inclusivas realizadas pela Fersol de alguma maneira buscam atender aos seguintes imperativos: corrigir as situações de desvantagem simbólicas e concretas enfrentadas por alguns segmentos da sociedade; promover oportunidades iguais efetivamente para todos, tratando desiguais de maneira desigual e; atacar ou combater práticas rotineiras de discriminação por meio de intervenção social.

Essas práticas buscam oferecer oportunidade de acesso na empresa a grupos discriminados ou excluídos, utilizando como mecanismo ações afirmativas e de valorização da diversidade, pelo entendimento de que há barreiras sociais e raciais que dificultam esse acesso.

De um modo geral, as ações afirmativas realizadas pela Empresa Fersol S.A. demonstram a possibilidade de diferentes tratamentos para a superação das desigualdades no mercado de trabalho, além de colaborar para dar mais visibilidade a essa questão que ainda é pouco discutida no setor privado.