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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 12. Direito

TUTELA JURÍDICA DOS CONHECIMENTOS TRADICIONAIS DOS POVOS INDÍGENAS BRASILEIROS: FALHAS E ALTERNATIVAS PARA A ATUAL LEGISLAÇÃO EM VIGOR.

Carolina Pagani Passos  1
Osmar Brina Corrêa-Lima 1
(1. Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG)
INTRODUÇÃO:

O tema dos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade desafia o Direito Brasileiro, porque não diz respeito somente à proteção da cultura indígena. Envolve o debate sobre soberania: a forma de acesso aos recursos genéticos da biodiversidade nacional dá amostras de que esforços o país concentra na proteção aos patrimônios cultural e natural diante das pressões econômicas internacionais. O estudo da tutela a esses conhecimentos também denuncia a ineficácia da legislação nacional a respeito do tema. O que se nota é que a política indigenista se mostra ineficaz, embora esteja assentada em princípios não assimilacionistas, que preconizam o respeito às especificidades culturais dos povos indígenas. Tais princípios foram consagrados desde a Constituição de 1988, quando se reconheceram, ao menos formalmente, o direito (coletivo) à diferença cultural, à sociodiversidade, aos territórios e ao patrimônio cultural, incluindo-se aí os saberes tradicionais. O objeto da pesquisa é complexo e relevante, porque propõe uma interface entre diversas áreas do conhecimento humano, além do Direito. Ademais, a pesquisa apura falhas das atuais formas de tutela disponíveis e pugna por maior notoriedade ao debate acerca do tema porque, até então, ele tem sido esvaziado e não conta com participação direta das comunidades detentoras dos conhecimentos, por falta de vontade política do Governo Federal e falta de criação de fóruns de debate publicizados e democráticos.

 

 

METODOLOGIA:

O tema foi abordado por meio da investigação jurídico-sociológica, haja vista a alta carga de interdisciplinaridade inerente ao objeto. Primeiramente, realizou-se pesquisa bibliográfica, constatando-se que a discussão sobre o tema é extremamente restrita, havendo poucas obras jurídicas que o abordem com profundidade. Imprescindível a pesquisa na área da etnologia, porquanto os conhecimentos indígenas são diferenciados do conhecimento ocidental e cartesiano, não se adequando tais saberes, em absoluto, às formas usuais proteção à propriedade intelectual (investigação jurídico-compreensiva). Pesquisou-se, também, a legislação nacional e internacional (investigação jurídico-comparativa) sobre a proteção e utilização dos conhecimentos tradicionais, oportunidade em que se verificou que os diversos campos teóricos do conhecimento devem estar em constante interlocução, sob pena de se criar um mecanismo de tutela que contemple, somente, o aspecto econômico desses saberes. Por fim, buscou-se apurar as tendências em discussão nos principais fóruns de debate do tema: o Ministério do Meio Ambiente e as diversas organizações do Terceiro Setor que atuam na proteção aos direitos indígenas. A partir das propostas governamentais, das críticas das Ongs e guiando-se pelo princípio do não-assimilacionismo, marco teórico adotado, pretendeu-se apontar falhas e diretrizes para a atual legislação em vigor (investigação jurídico-propositiva).

RESULTADOS:

A pesquisa constatou que o tema da proteção aos conhecimentos tradicionais é abordado nas legislações nacional e internacional, mas há contradições fundamentais dentro do sistema protetivo posto. Enquanto a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), norma internacional da qual o Brasil é signatário, preconiza o acesso aos saberes tradicionais através do consentimento prévio e informado dos povos detentores, no âmbito nacional, a MP 2186-16/2001, nascida de uma atitude autoritária do Poder Executivo em meio ao escândalo do contrato firmado entre a Novartis e a Bioamazônia (gerenciadora do Programa Brasileiro de Ecologia Molecular para o Uso sustentável da Biodiversidade da Amazônia), tratou de forma omissa a questão da proteção aos conhecimentos tradicionais. A Medida Provisória não faz menção ao princípio da prevenção com relação a eventuais danos à integridade cultural das comunidades indígenas; substituiu o consentimento prévio e informado pela simples anuência prévia, que pode ser ignorada em casos de “relevante interesse público” e, embora reconheça o direito de as comunidades indígenas decidirem sobre o uso de seus conhecimentos tradicionais, não cria instrumentos práticos para tanto. Além da aparente inconstitucionalidade, tem-se que a proteção aos conhecimentos tradicionais, nos termos dessa MP, se adequaria às formas usuais de propriedade intelectual, ignorando a premente necessidade de se construir um sistema sui generis de proteção aos saberes tradicionais.

CONCLUSÕES:

A abordagem dos conhecimentos tradicionais não diz respeito, somente, à proteção da cultura indígena; envolve o debate acerca da soberania do país. Vive-se uma época em que a pesquisa genética ganha maior notoriedade, rompendo as barreiras entre os países, exigindo-se, assim, atenção para preservação das culturas e especificidades locais. O Brasil necessita de arcabouço jurídico no qual se reconheça que os conhecimentos tradicionais encerram em si algo para além da aplicabilidade financeira - trazem inatamente a construção de saberes e da cultura ancestral de povos que há muito habitam esse país. Tendo em vista que o direito à sociodiversidade e à biodiversidade são constitucionalmente assegurados aos indígenas, deve-se colocar em prática meios que concretamente os garantam. Deve-se refutar a pretensa adequação dos conhecimentos tradicionais ao sistema patentário vigente, vez que este sistema se baseia numa concepção individualista e mercantilista de propriedade, enquanto os saberes tradicionais são coletivos e coletivamente construídos, sendo, inclusive, muito difícil precisar quais os detentores exatos de determinado saber. Deve-se estimular o debate democrático acerca de tais questões, admitindo-se o diálogo entre as culturas, a fim de se buscar, de forma dialética, a construção de um sistema de proteção no qual os principais interessados apontem, com autonomia e respeito, aquilo que entendem ser o mais adequado à tutela de seus saberes, terra, cultura e ancestralidade.

Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Conhecimentos tradicionais; Povos indígenas; Tutela sui generis .
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006