IMPRIMIR VOLTAR
F. Ciências Sociais Aplicadas - 9. Comunicação - 8. Comunicação

DISSOLUÇÃO E ESPETACULARIZAÇÃO DA MORTE NA TELEVISÃO: UMA VISÃO INTERDISCIPLINAR SOBRE O FENÔMENO NOS TELEJORNAIS NACIONAIS

Carlos Alberto de Souza 1
Hector Ricardo Leis  2, 3
Rafael Raffaelli 2, 4
(1. Prof. Dr. / Universidade do Vale do Itajaí/Centro de Ciências Humanas e da Comunicação; 2. Universidade Federal de Santa Catarina/Centro de Filosofia e Ciências Humanas; 3. Prof. Dr., Orientador; 4. Prof. Dr., Co-orientador)
INTRODUÇÃO:

Analisar o tema da morte nos telejornais nacionais, em uma perspectiva interdisciplinar, foi o objetivo da pesquisa. O assunto, tabu na sociedade moderna ocidental, começou a atrair a atenção dos observadores sociais a partir da segunda metade do século XX. Vários estudos foram produzidos sobre o tema e procuram demonstrar as mudanças de atitudes em relação à morte e o morrer no ocidente. A interdição do fenômeno, segundo tais autores, é uma das características de nossas sociedades, assentadas sob o paradigma científico-racional. Embora esta linha de pensamento tenha predominância na sociologia, existem autores apontando para uma nova direção. Esses acreditam que a morte se tornou mais pública com o advento da comunicação de massa, dos meios eletrônicos de comunicação. Diante dessa discussão - a morte foi ocultada ou se tornou pública? -, resolveu-se analisar a televisão, reservando ênfase aos programas jornalísticos: Jornal Nacional (Rede Globo) e o Jornal da Cultura (TV Cultura).

            A investigação é relevante, pois procura, a partir da sociologia, psicanálise e comunicação, lançar novas luzes sobre o fenômeno da morte na sociedade moderna. Sua originalidade está em focar a investigação sobre a televisão, que tem se constituído no principal veículo contemporâneo de comunicação social, e sobre o gênero jornalístico, que assume a função de retratar, diariamente, a realidade do mundo aos telespectadores.

 

 

METODOLOGIA:

A pesquisa estabeleceu no cruzamento entre as abordagens quantitativa e qualitativa, proporcionado pelo método da Análise de Conteúdo. Tal estratégia permitiu o aprofundamento da análise sobre a temática da morte na televisão. Os livros de metodologia têm dado ênfase a integração destas abordagens, por considerar que o uso de métodos e técnicas diversas permite a redução das margens de erro em qualquer investigação social.

A ênfase, contudo, foi na pesquisa qualitativa. Esta trabalha com um universo de significações ligadas a valores, crenças e atitudes, correspondendo ao espaço das relações humanas e de fenômenos que, na maioria das vezes, não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Além do uso das técnicas de análise temática e de enunciação, ferramentas da Análise de Conteúdo, para a interpretação das cenas e mensagem exibidas - gravadas durante dois meses, em anos subseqüentes -, desenvolveu-se um trabalho experimental com os receptores para a coleta de opiniões a respeito da morte na TV. A primeira parte consistiu da realização de entrevistas com idosos e adolescentes. A segunda, na exibição, aos dois grupos, de cenas de mortes veiculadas pelos telejornais. A intenção foi ouvir e observar as reações do público diante das representações televisivas. Com base nas entrevistas, no experimento, e tomando por guia a Teoria dos Mecanismos de Defesa, procurou-se fazer inferências sobre a visão do espectador a respeito do assunto.

RESULTADOS:

Percebe-se, pela análise, que os telejornais contribuem para a ocultação da morte na sociedade moderna ocidental e que essa ocultação no espaço televisivo, no telejornal, dá-se de forma diferente daquela observada no meio social, ou seja, pela espetacularização, banalização, dissolução e manipulação dos acontecimentos, cenas e detalhes. Diversos elementos permitem sustentar esta tese, como será observado a seguir:

- Os inúmeros recursos tecnológicos e de linguagem - angulação, movimentos de câmera, cortes, velocidade - contribuem para reduzir o efeito da notícia;

- Centra-se força nas cenas que chamam a atenção por sua plasticidade e beleza;

- O interdito social é reforçado, pois nem tudo pode ser mostrado. A atenção é na emoção e nos sinais da morte;

- Ênfase à morte que acontece longe de nossa cultura (Iraque, Palestina);

- Dissemina-se o ‘mito’ da imortalidade.Quem morre é o outro;

- As mortes que chamam a atenção das câmeras são, preferencialmente, as de bandidos, criminosos;

- Boas notícias e inusitadas, sobrepõem-se às‘ruins’. Dialética tensão-relaxamento;

- O espectador utiliza estratégias defensivas (mecanismos de defesa) para impedir o contato com o mal, com a morte (virtual, ou real).

CONCLUSÕES:

É possível dizer que a morte embora seja tema preferencial dos telejornais, ela não é mostrada em toda a sua carga, pelo mal-estar que causa a uma sociedade que se pauta pela busca da felicidade. É preciso antes estetizá-la. A estética televisiva permite ao público olhar aquilo que lhe aterroriza. Utilizando-se de linguagem signica, a produção jornalística cria uma “barreira” entre público e o fato noticiado (aquilo não tem a ver comigo), ou pela linguagem clichê, o espectador se identifica com a cena, com os apelos emocionais, com a dor vivida por aqueles que perderam alguém estimado. Por isso, os editores centram atenção na retratação do sofrimento, na miséria humana e na injustiça. Mas as estratégias defensivas não vêm somente do emissor, dos produtores da notícia, elas também se fazem presente na ‘cabeça’ do espectador. Esses dispõem de uma série de mecanismos de defesa (formação reativa, negação, racionalização, repressão, etc) para lidar com o fenômeno da morte e da violência na tela e no cotidiano. São dispositivos regidos pelo Princípio do Prazer que servem para manter o Ego afastado daquilo que lhe provoca ansiedade. Os entrevistados e aqueles que participaram do experimento psicanalítico (jovem e idosos) apresentaram várias formas de se livrar daquilo que causa desprazer (por meio de ações, gestos, silêncio e do próprio discurso). Reagem às perguntas e as imagens e demonstram atitudes variadas, mas úteis para impedir a ‘visão’ da morte e do morrer.

Instituição de fomento: Universidade do Vale do Itajaí
 
Palavras-chave: Modernidade; Telejornalismo; Morte.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006