Desde o pensamento clássico a imanência do espaço emerge como conceito básico para a existência. Contudo, diante das transformações velozes a que o espaço foi submetido; diante das violentas operações culturais que os processos civilizacionais realizam sobre a natureza; diante, enfim, das catástrofes e ruínas que não cessamos de herdar da história, permanece a necessidade de abrirmos o conceito de espaço para a vida social a fim de compreendermos esta mesma vida social e atuarmos nela. Neste sentido, tornamo-nos atores sociais, com a responsabilidade performativa de um papel histórico, mesmo que a história que consigamos tocar seja apenas uma sempre-movente micro-história. Portanto, quando propomos uma práxis responsável sobre o espaço, não se trata de uma atitude moral; trata-se já de uma prioridade ética. Sendo assim, cada espaço habitado precisa formular seu próprio pensamento, vale dizer, sua própria filosofia, a fim de que possa, também, dialogar com aqueles valores universais que nos unem. Por isto é necessário voltar ao espaço que nos cerca e pensá-lo, envolvendo neste pensar os vários elementos do drama humano. Reconstituir cientificamente o conhecimento vivido de uma comunidade em relação à flora, fauna e clima, formalizando uma cultura estética e ambiental imanente (objetivo maior da pesquisa em tela) é base para a caracterização de uma memória do presente e para a canalização de atitudes de preservação simbólica e ambiental.

A metodologia empregada apoiou-se num trabalho coordenado de ações identificadas, de forma paralela, com as metas ou objetivos específicos propostos. Estes, constituíram uma cadeia de complementações que subsidiaram e articularam as ações seguintes, de forma a constituir uma convergência, onde cada etapa interpretou a outra. Fundamentalmente, a dinâmica metodológica indicou um movimento dialógico entre pesquisa de campo e análise das informações. Em termos instrumentais, tal processo envolveu, pela ordem, uma pesquisa bibliográfica, seguida da produção de um documento que sintetizou as informações sobre a região; foram organizadas equipes compostas pelo professor orientador e alunos-pesquisadores (Curso de Letras/ UFSC), que realizaram entrevistas sobre um aspecto temático demarcado entre estudos culturais, estudos ambientais e estudos lingüísticos, desde uma perspectiva interdisciplinar; as viagens de campo foram norteadas por um paradigma de entrevista elaborado ao longo do processo interativo com a comunidade, escalonado ao longo do semestre de 2004.2; a coleta de dados para a pesquisa e análise final foi realizada utilizando recursos de informática da Universidade Federal de Santa Catarina; o tratamento do material coletado foi articulado em um banco de dados, e serviu para a redação de um relatório e produção de um vídeo, tendo em vista, sobretudo, a constituição de um Núcleo de Pesquisas interdisciplinar que prossiga o trabalho e desenvolva pesquisas.

O projeto pesquisou, a partir de entrevistas gravadas e filmadas, aspectos da história do relacionamento da comunidade urbana e rural do município de São Bonifácio com o meio-ambiente que a envolve, e que compreende, em grande parte, a região mais preservada do Parque Estadual da Serra do Tabuleiro. Neste sentido, contando com o apoio de estudantes de Licenciatura em Letras da UFSC, envolveu três etapas distintas: num primeiro momento, visita à Comunidade, seguida do oferecimento de mini-cursos, visando uma interação qualificada. Numa segunda etapa, foram realizadas entrevistas na Comunidade, com o intuito de resgatar histórias de vida relacionadas ao convívio com a flora e fauna da região, no sentido de apreender formas de percepção dos habitantes em relação ao meio-ambiente. Tais entrevistas foram elaboradas mesclando a identificação de atitudes preservacionistas já instaladas nos moradores e o espaço flexível para o estabelecimento de narrativas que revelem aspectos históricos e culturais do povoamento da região. Neste sentido, o projeto sistematizou informações, recuperando o trabalho iniciado por pioneiros como Francisco S. G. Schaden, que traçou um amplo quadro da etnografia e do ecossistema da região. A terceira etapa do projeto consistiu na criação/produção de um vídeo e de um relatório, que implicaram na aplicação de material analítico e teórico aos registros, como forma de associar e conjugar Ciência e Experiência.

Depreende-se da análise das entrevistas três categorias na percepção ambiental dos entrevistados. Destacam-se, em quantidade, os relatos que caracterizam uma relação econômica com a natureza exuberante, por meio de memórias relativas às atividades de exploração produtiva; em menor número, relatos que caracterizam uma relação estética - a criação artística e uma dinâmica de afetividade com os animais e com um espectro geográfico; e, por fim, alguns casos pontuais de forte relacionamento ecológico, desde uma ética constituída pelo discurso preservacionista, o que implica numa atuação comunitária articulada, marcando uma emergente formação heterogênea - nativos e novos moradores. Em relação ao passado, predominam memórias vinculadas ao trabalho e um imaginário do isolamento, perspectiva alterada pela acessibilidade do presente recente. Além disto, o turismo aparece como uma perspectiva de consenso, ainda que predomine entre os entrevistados o temor de uma invasão cultural, resultando numa atitude coletiva de resistência ao comércio de terras. Muito sobre o que repousam as ações educativas sobre o meio ambiente, sobre o mundo da vida, caracteriza, retroativamente, uma moral normativa, que prescreve valores a serem reproduzidos e impostos sobre as configurações espaciais. É a partir desta problemática pedagógica e pragmática que se justifica um mapeamento cultural e ambiental, seu registro e criação de focos de atuação/disseminação de atitudes coletivamente produzidas.