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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 2. Literatura Comparada
CAMÕES E OLIVA: O MITO DE ANFITRIÃO ENTRE PORTUGAL E SALAMANCA
Luiz Fernando de Moraes Barros 1
(1. Departamento de Letras Vernáculas / UFRJ)
INTRODUÇÃO:

Nascido por volta de 1494, Fernán Perez de Oliva – professor da Universidade de Salamanca e autor de alguns textos dramáticos que utilizam os motivos clássicos como motor da adaptação – teve sua obra postumamente publicada por seu sobrinho Ambrosio de Morales, cronista, em Córdova, no ano de 1586, portanto posterior à morte de Camões. A datação da primeira edição parece ter sido fator determinante para que a crítica não se ocupasse das influências de suas obras em autores que produziram antes de 1586. Contudo, além da possibilidade de ter circulado de forma manuscrita pelos meios estudantis de Salamanca, movimento comum dos textos deste período como sabemos, o dado mais concreto que nos permite não só uma aproximação de seu Anphitrión com o texto camoniano, mas levantar a hipótese de Camões ter recorrido à interpretação dada por Oliva à história, é a descoberta de uma cópia do texto salamanquense em 1525.

METODOLOGIA:

Com a descoberta da cópia de 1525, o Anphitrión do salamanquense Oliva passa a ser uma possível fonte a qual teria utilizado Camões para a construção de Os Enfatriões.  Para afirmar isso, torna-se importante observar o que a crítica até hoje pôde levantar a partir do cotejo entre as obras.

O primeiro a colocar em pauta a relação entre o auto camoniano e a comédia espanhola foi José Maria Rodrigues (1929), apresentando como argumentos três aspectos que, diferentes do modelo plautino, figuram como por demais semelhantes entre os dois textos quinhentistas: 1) Tanto Camões como Oliva iniciam a peça com Alcmena chorosa, saudosa de seu marido Anfitrião; 2) Sósia, diferente do que ocorre em Plauto, escolhe Júpiter como verdadeiro Anfitrião nas duas obras; 3) Ambos, Camões e Perez de Oliva, diante de uma das lacunas do original plautino, optam por um preenchimento semelhante dos versos que foram perdidos. Outros críticos também se debruçam sobre o tema, tais como Rosado Fernandes (1958) e Maria Idalina Rodrigues (1987). Contudo, para Vanda Anastácio (1991), esses estudiosos parecem ter levado em consideração apenas a cópia da comédia de Oliva efetuada por Ambrosio de Morales em Córdova, 1586 – texto que apresenta variações a serem consideradas, já que apontam para o trabalho  inovador de Camões na configuração do seu auto.
RESULTADOS:
A partir do estudo comparativo entre os dois autores quinhentistas, Luís de Camões e Fernán Perez de Oliva, pudemos reorganizar a crítica interessada na tessitura camoniana.  Como afirma Idalina, “nos Anfitriões (ou Enfatriões, título que modernamente voltou a ser privilegiado), Camões não transforma directamente o Anphitruo de Plauto mas a Comedia de Anphitrion do espanhol Fernán Perez de Oliva”. A esta afirmação, categórica aos extremos, somamos a visão de que Luís de Camões, longe de ter utilizado apenas o modelo plautino como mote, glosou de forma extraordinária os amores de Júpiter e Alcmena, comunicando-se com toda a tradição literária que lhe foi possível reunir - considerada a problemática de circulação/divulgação de textos em Quinhentos - e que já se ocupara deste motivo mitológico. Neste sentido, Camões - longe de ter produzido uma obra dramática de fraca qualidade, como freqüentemente a ela se refere a crítica especializada - é um artista profundamente envolvido nas questões renascentista inclusive na escrita teatral. Autor de um dos melhores teatros ibéricos do seu tempo (guardada a importância de Gil Vicente), Luís de Camões oferece aos espectadores de seus autos um desfile refinado das tópicas amatórias de Quinhentos.
CONCLUSÕES:

Se por um lado Plauto e Perez apresentam como núcleo da tensão dramática as considerações sobre a identidade, ou melhor seria dizer de sua perda, Camões, por seu turno, apresentará os vetores cômico e lírico ao redor de uma nuclear questão: o amor.

O tratamento dado por Camões ao tema do amor, seja na lírica ou nos autos, inscreve-se na tensão dialética entre carne e espírito; entre aquele amor profano e sensorial, e o platonizante amor do Amor.  Camões, portanto, não apresenta dois conceitos amatórios como radicais opostos que, incomunicáveis, se repelem por uma total dessemelhança entre si.  São, as diferentes pulsões – ainda que opostas – , sentidas e descritas a partir da estética da dúvida ou da incerteza por estarem regidas por uma ordem dialética.

Agravados pelo desconcerto do mundo, os impulsos carnais e espirituais ganham no texto camoniano a profundidade que a inscrição dialética oferece apresentando-se como duas possibilidades discursivas pelas quais o poeta transita munido de seu engenho a dialogar com esses dois mundos que também dialogam entre si, mesmo sendo diferentes.  Diante do presente quadro, o universo configura-se como pura angústia e o testemunho desta experiência nos dá o próprio poeta, já que, em muitas composições, nem a morte pode libertá-lo das amarras da Fortuna, restando apenas o questionamento sofrido que tanto fecundou a sua Lírica.
 
Palavras-chave: Auto dos Enfatriões; Teatro Camoniano; Dialética amorosa.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006