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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 12. Psicologia
Um contexto para o fluir do texto: desenvolvimento da capacidade de escrever
Andrea de Arruda Botelho 1
Lino de Macedo 2
(1. Doutora em Ciências da Comunicação e Mestre em Psicologia pela USP.; 2. Professor Titular do Instituto de Psicologia da USP.)
INTRODUÇÃO:
Os autores apresentam uma pesquisa de campo que tinha como objetivo o estudo da eficácia de um dispositivo de trabalho capaz de propiciar o desenvolvimento da capacidade de escrever. Tendo o construtivismo de Jean Piaget e a psicanálise de Donald Winnicott como referências teóricas fundamentais, delineou-se um enquadre na forma de uma oficina que permitiu a seis crianças entre 08 e 11 anos um mergulho no universo dos contos de magia, explorando suas características e os elementos fundamentais da estrutura de sua narrativa, entrevendo a possibilidade de o trabalho auxiliar na escrita de outros tipos de textos e favorecer o desenvolvimento emocional. Foram propostas experiências tais como consultar livros, ouvir histórias contadas e lidas, praticar procedimentos de escrita criativa, fazer trabalhos plásticos, movimentar o corpo etc. Houve 25 encontros de duas horas e meia, semanalmente durante mais ou menos três meses por semestre, ao longo de dois anos e meio, na escola em que as crianças estudavam, em período alternado em relação ao de suas aulas regulares. Ao final o processo, cada participante escreveu uma história, que foi editada em grupo. Os textos foram encadernados e o livro foi “lançado” numa festa de encerramento, com a presença de professores e familiares. A relevância do trabalho assenta-se sobre a importância da escrita como ferramenta de comunicação e inserção social, além de poder ser um significativo meio de expressão pessoal. A pesquisa lança luz sobre a questão dos bloqueios e dificuldades para escrever, tão freqüentes, não somente em situação escolar.
METODOLOGIA:
A oficina foi registrada em vídeo e posteriormente os encontros foram descritos resumidamente por escrito. Todos os textos produzidos foram transcritos. Além disso, pediu-se às crianças que respondessem questionários sobre o processo vivido na oficina e também foram gravados depoimentos de suas professoras e mães. O processo foi analisado segundo dois recortes temáticos: “desempenho na escrita” e “interesse” (por leitura e escrita e pelas atividades da oficina). Quanto ao desempenho na escrita, os textos foram avaliados conforme os critérios:  1-encadeamento; 2- adequação à proposta feita; 3- (quando se tratava de uma história) presença ou ausência dos elementos da estrutura básica da narrativa dos contos de magia, tais como haviam sido estudados na oficina. O interesse foi observado na atitude das crianças: na disposição que demonstravam para participar, nos comentários que faziam etc.
RESULTADOS:
Todas as crianças do grupo apresentaram um bom desenvolvimento do desempenho na escrita ao longo dos textos produzidos nos encontros e também demonstraram interesse pelas atividades na maior parte do tempo, tendo no entanto oscilado em alguns momentos. Um estudo de caso narra a trajetória realizada por um garoto que tinha dificuldades severas para se expressar por escrito e que, ao final do percurso, revelou-se capaz de compor uma história. Depoimentos das professoras e da mãe apontaram no sentido de um desenvolvimento importante também nas outras situações em que era solicitado a escrever (por exemplo, realização de textos dissertativos), inclusive em outras matérias (não diretamente relacionadas à língua portuguesa).
CONCLUSÕES:
A análise do conjunto dos registros produzidos revelou que a oficina concretizou-se como um ambiente suficientemente bom para o desenvolvimento da capacidade de escrever, favorecendo o brincar, a transicionalidade, o gesto espontâneo e a cooperação no trabalho em equipe. O interesse das crianças oscilou justamente nas situações em que se perdeu de vista a importância, do “fazer ativo” e significativo, na construção de conhecimentos. A obra de Winnicott sugere que o termo “capacidade” refere-se a algo que “cabe emocionalmente” na vida de uma pessoa. Uma capacidade se conquista ao longo de um amadurecimento e envolve não somente habilidades motoras ou intelectuais, mas também um conjunto de condições emocionais. Sem elas pode-se alcançar uma competência, até mesmo com eficiência, mas de forma dissociada, não integrada ao self e sim como forma de expressão do falso self, que é uma formação defensiva que garante adaptação ao meio em detrimento do gesto espontâneo. O enquadre proposto dá sustentação ao desenvolvimento da capacidade de escrever como experiência significativa, integrada, e propicia que os participantes se tornem mais autores de suas próprias histórias de vida, afinando seu estilo de escrever e seu estilo de ser.
Instituição de fomento: CAPES
 
Palavras-chave: escrita; Jean Piaget; Donald Winnicott.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006