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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
A CONSTRUÇÃO DO EU EM DIFERENTES CLASSES SOCIAIS
Laís G. de Melo Santos  1
Fabiana Sonale M. Sobral  1
Isaac Alencar Pinto  1
Keila Kaionara de M. Oliveira  1
Pedro Oliveira Filho  1
(1. DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA, UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA/UEPB)
INTRODUÇÃO:

Existem algumas teorias para se descrever o Eu dentro das narrativas, entre as quais se destacam: a teoria dos traços – onde o sujeito é constituído por uma série de traços de personalidade, sendo os mesmos mensuráveis, a teoria dos papéis - o que determina o eu de uma pessoa e sua personalidade é a posição social que ela ocupa, e a teoria humanista – onde o eu é visto de duas maneiras, uma real, demonstrável, e outra ideal, que tende a ser atingida. Outra maneira de explicar o Eu está no Construcionismo Social, onde os modelos psicológicos da noção de eu são cultural e historicamente contingentes e que dependem de certos tipos de práticas sociais e lingüísticas. Verificamos ainda a presença do Eu dentro das narrativas, estas entendidas como um dos recursos que os sujeitos utilizam para se identificar em relação a si mesmo como em relação aos outros. Portanto, o presente estudo tem como objetivo fazer uma análise comparativa das descrições do eu em diferentes classes sociais e verificar de que forma os sujeitos se relacionam em termos discursivos com essa imagem de si mesmos oriunda das classes média e alta e como a associação entre pobreza e criminalidade repercute nos relatos discursivos que os sujeitos de baixa renda apresentam sobre si mesmos.

METODOLOGIA:

A amostra foi constituída por oito sujeitos com idade variando entre 40 e 60 anos, intencionalmente selecionados e categorizados da seguinte maneira: três sujeitos de classe média escolarizada, renda superior a R$ 2.500,00 mensais, formação acadêmica e com profissões típicas de pessoas com essa formação; e cinco sujeitos de baixa renda, com ganho mensal inferior a R$ 500,00, escolaridade inferior ao Ensino Médio e ocupações que não exigem qualificação profissional. Foi utilizado como instrumento o relato oral de vida, que é uma forma mais resumida e menos livre do que a história oral de vida.  A duração de cada entrevista, em média de 45 minutos, foi determinada por cada sujeito entrevistado assim como pelo entrevistador na medida em que os mesmos se davam por satisfeitos. Os relatos orais de vida foram gravados e, posteriormente, transcritos. Após a transcrição, foram feitas leituras atentas e demoradas do material com o objetivo de torná-lo familiar e posteriormente codifica-los. Na análise de discurso, o processo de codificação não é sinônimo de análise: é uma fase preliminar do processo de análise propriamente dito. As categorias retiradas dos relatos, de acordo com os interesses da pesquisa, serão os materiais do processo de análise. Tal processo é constituído pela procura de padrões nos dados e pela tentativa de identificar a função dos discursos.

RESULTADOS:

Com o intuito de facilitar a exposição dos resultados, estes foram divididos em três tópicos: Motivações, Intenções e Projetos; Justificação do presente e Honestidade. No que tange ao primeiro tópico, observou-se que nos relatos dos sujeitos de baixa renda, ausência de expressões que indicassem planos, motivações ou projetos, uma vez que, as mudanças que ocorreram ao longo de suas vidas profissionais aparecem como impessoais, arbitrárias, condicionados por forças exteriores. Em contraste, nos sujeitos de classe média escolarizada, são recorrentes as expressões que tendem a apresentá-los como produtores de seu próprio destino, como sujeitos que geraram a si próprios, como sujeitos autônomos, enfim. Com relação ao segundo tópico, observou-se que os sujeitos de baixa renda, diferentemente dos sujeitos de classe média escolarizada, ao se remeterem ao passado, enfatizaram o sofrimento, as condições precárias, a luta constante pela sobrevivência e o abandono dos estudos por causa das dificuldades financeiras. No que se refere ao tópico Honestidade, foi observada nos discursos dos sujeitos de baixa renda a presença insistente de termos que denotam uma preocupação em se auto-apresentarem como pessoas honestas, dignas e reconhecidas pelo seu bom caráter. Em contrapartida, nas falas dos sujeitos de classe média escolarizada não se observou a presença de qualquer termo que indicasse uma necessidade em se auto-apresentar como pessoas cuja honestidade é reconhecida pelos outros.

CONCLUSÕES:

A guisa de conclusão percebeu-se a escassez de expressões como: “eu queria”, “eu desejava”, “eu pensava”, “eu tinha vontade de”, nos discursos dos sujeitos de classe baixa em nossa pesquisa seria decorrente da escassez ou mesmo ausência desses termos no seu código lingüístico. Hipotetiza-se ainda que tais discursos poderiam ser explicados em parte como uma tentativa de justificar, no contexto da entrevista, as suas atuais condições de vida. Pode-se pressupor que as pessoas de classe média escolarizada não precisam justificar a sua honestidade, uma vez que, na sociedade brasileira, é dominante a associação entre classe média escolarizada, por um lado, e honestidade e decência, por outro. Já as pessoas de baixa renda geralmente são associadas à criminalidade, marginalidade, etc. São vistas como “classes perigosas”, pessoas sobre as quais incide a acusação, tácita ou não, de desonestidade, malandragem e periculosidade. Enfim, entende-se que a diferença nos discursos dos sujeitos se deve mais à utilização de estratégias discursivas diferenciadas e menos a diferenças no código lingüístico ou estruturas de crenças.

 
Palavras-chave: Relatos Orais de Vida; Classes Sociais; Eu.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006