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G. Ciências Humanas - 5. História - 8. História Regional do Brasil

MEMÓRIA MÉDICA: A PARTICIPAÇÃO DE MÉDICOS NA CONSOLIDAÇÃO DE DIFERENTES FORMAS DE SOCIABILIDADE NO RIO GRANDE DO SUL

Mari Cleise Sandalowski  1
Renato de Oliveira  1
Anelise Grieger  2
Francine Nunes da Silva  3
Juliano da Silva Bastos  4
Júlia Mello Schnorr  5
(1. (1) Programa de Pós-Graduação em Sociologia/UFRGS; 2. (3) Departamento de História/URI Erechim; 3. (4) Departamento de Sociologia e Política/UFSM; 4. (5) Departamento de História/UNIFRA; 5. (6) Departamento de História/UFSM)
INTRODUÇÃO:
Palco do surgimento da terceira escola médica brasileira o Rio Grande do Sul viveu um governo radicalmente positivista justamente no período de consolidação da profissão médica na sociedade gaúcha. A aplicação rigorosa dos princípios positivistas à gestão do Estado e da sua relação com a sociedade fez com que, diferentemente das experiências de outros Estados brasileiros no mesmo período, aqui os médicos não só não gozassem de qualquer apoio público em suas atividades, como eram igualados, em termos de direito, à multidão de curandeiros que, mesmo sob condições de controle público do exercício da profissão médica, abundavam nos outros Estados, tanto mais no Rio Grande do Sul. Desta experiência, que durou exatos 40 anos, certamente se originaram elementos importantes que marcam a profissão médica no Estado, podendo-se citar o seu peculiar sentido de autonomia, assim como a pouca importância dada à saúde pública no contexto da maioria das faculdades e cursos de medicina. O projeto Memória Médica, deste modo, constitui-se em uma pesquisa sócio-histórica que busca resgatar a história da medicina no Rio Grande do Sul, tendo como objetivo organizar um Acervo Histórico sobre o tema, a partir da reunião e identificação de bibliografias, documentações, material médico-hospitalar e registros de trajetórias de personalidades médicas que se destacaram no cenário regional, não apenas por sua atuação profissional, mas também por sua participação no campo político, cultural e social.
METODOLOGIA:
 

O projeto Memória Médica RS vem desenvolvendo uma pesquisa sócio-histórica que visa identificar médicos que atuaram no Estado durante o século XIX e a primeira metade do século XX. Procurando recuperar a trajetória de personalidades médicas que se destacaram no cenário regional não somente por sua atuação profissional, mas também por sua participação no campo político, cultural e social, buscou-se conhecer o papel que estes profissionais desempenharam na história da medicina, bem como na história do RS. A partir disto, o trabalho foi desenvolvido em três fases. Na primeira, realizou-se um levantamento de fontes documentais em instituições públicas como museus, arquivos, bibliotecas e hospitais. A partir da análise do material encontrado nestas instituições foram identificadas personalidades médicas de reconhecido destaque e atuação na sociedade local. Na segunda fase foi feito um levantamento de fontes em acervos privados de familiares dos médicos identificados e de memorialistas regionais. Por fim, a terceira etapa referiu-se à coleta do material propriamente dita, na qual buscaram-se doações de materiais, sendo realizadas entrevistas com familiares e memorialistas e reproduzidos digitalmente os materiais considerados de relevância para o estudo.

RESULTADOS:
Ao longo dos vinte e dois meses de atividades foram realizadas atividades relativas ao levantamento de fontes primárias para a história da medicina no Estado, nas instituições médico-hospitalares, com ênfase nas Santas Casas de Misericórdia do interior do estado e também junto aos descendentes e familiares de médicos que atuaram no Rio Grande do Sul, além de memorialistas locais e historiadores que pesquisem sobre a temática. Como resultados deste levantamento, reuniu-se material bibliográfico, documental e museológico suficiente para estruturar um sub-projeto específico, o Acervo Histórico SIMERS, que deverá se constituir em fonte de referência para estudos e pesquisas sobre a história da medicina no Estado. Além da coleta de dados em vários municípios do interior do Estado, como Jaguarão, Uruguaiana, Lajeado, Estrela, dentre outros, também foi organizada uma exposição pública do projeto, intitulada “A participação dos médicos na sociedade riograndense”, inaugurada durante a Feira do Livro nas dependências do Memorial do RS, em outubro de 2004, onde permaneceu por cerca de dois meses. Desde então, a exposição se encontra itinerante por diversas cidades do interior do estado, sendo que as inúmeras solicitações levaram à duplicação não somente do material da exposição, como também elevou o número de doações de materiais para o acervo.
CONCLUSÕES:
Governada durante 40 anos por um regime que se reclamava do positivismo comteano, a sociedade gaúcha viu completado, no período, um longo processo histórico de consolidação de sua identidade regional, coincidindo com o ocaso da sua principal base de sustentação econômica: a economia pastorial da Região da Campanha. Paralelamente, emergiam novos pólos de desenvolvimento nas chamadas regiões coloniais, nas quais as comunidades de imigrantes e seus descendentes constituíam campos simbólicos com pouca ou nenhuma identidade com os mitos fundadores da pátria rio-grandense. Deste modo, o médico foi um agente privilegiado na consolidação de formas de sociabilidade, reforçando ou modificando as diferentes estruturas normativas existentes nas distintas regiões do Estado. Considera-se que os diferentes modelos de sociabilidade e de atuação dos médicos regionais desenvolveram-se em virtude das distintas formas de ocupação do território. Enquanto a zona de colonização do Estado caracterizou-se pela ocupação com base na pequena propriedade rural, na região da campanha firmaram-se os latifúndios. Com isto, diferentes formas de sociabilidade foram constituídas. Se nesta última região predominavam a autonomia individual, com exaltação da coragem e da honradez, prevalecendo um modelo aristocrático, a região norte apresentou características de sociabilidade gregárias, ou seja, as comunidades constituíram seus próprios referenciais, dentro dos quais a noção de liberdade foi acentuada. Estes elementos, por conseqüência, inferem no papel do médico junto à sociedade, assim como na sua atuação e participação nos diferentes campos sociais.
Instituição de fomento: Sindicato Médico do Rio Grande do Sul/SIMERS
 
Palavras-chave: memória; medicina; sociologia das profissões.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006