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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística

ADJUNTOS E SUA NEUROFISIOLOGIA

Aleria Cavalcante Lage  1
Maurício Cagy  2
Antonio Fernando Catelli Infantosi  3
Miriam Lemle  1
(1. Departamento de Lingüística/ UFRJ; 2. Departamento de Epidemiologia e Bioestatística/ UFF; 3. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica/ COPPE/ UFRJ)
INTRODUÇÃO:

De acordo com o a Teoria da Gramática Gerativa (Chomsky, 1965, 1995; Halle, Marantz, 1993, 1994; Marantz, 1996, 1997; Harley, Noyer, 1998; Marantz, 2001), a ordem do curso da derivação é bottom-up, ou seja, de baixo para cima ou de dentro para fora da estrutura expressa na árvore sintática. Isto significa que o curso da derivação não obedece à ordem linear dos constituintes da frase, considerando a forma canônica S-V-O. Em outras palavras, primeiramente o complemento é concatenado ao verbo, e somente depois disso o sujeito é concatenado ao vP. Nesta perspectiva, a concatenação que provém de uma relação de adjunção, chamada de pair merge (concatenação de par), seria posterior à concatenação de sujeito e à de objeto.

Foi a partir das respostas eletrocorticais dos voluntários aos estímulos lingüísticos apresentados que pudemos investigar a contraparte neurofisiológica do fenômeno de concatenação do adjunto, além de compará-la com a de concatenação de objeto e a de sujeito, anteriormente também aferidas neurofisiologicamente.

Os achados desta pesquisa contribuem, de maneira original, para o conhecimento do funcionamento do sistema computacional de linguagem e para o aprimoramento da teoria lingüística.

METODOLOGIA:

Empregamos a técnica de extração de ERPs (event-related brain potentials - potenciais relacionados a eventos), que se dá a partir do EEG bruto acoplado no tempo à estimulação lingüística.

O experimento contou com 40 frases congruentes (O menino chutou a bola na sala) e 40 incongruentes (O menino chutou a bola na língua). O momento do trigger, sempre no nome núcleo do adjunto, era informado (por pulso) ao programa de aquisição de sinais. Assim, após o tratamento matemático (o processamento) dos sinais, os potenciais elétricos extraídos (ERPs) puderam ser relacionados aos eventos lingüísticos.

Na apresentação dos estímulos, eles e os distratores eram aleatorizados automaticamente. Cada palavra ficava na tela por 200 ms. Após cada frase, aparecia a pergunta Faz sentido? por 1500 ms, que o sujeito respondia acionando um botão do joystick. A seguir, se mostrava uma cruz de fixação por 1000 ms. O teste durava em média 33,68 min. Havia ainda a leitura das instruções e o treinamento do teste (3 min); antes, o treinamento do uso do joystick (3 min).

Colaboraram 29 sujeitos, graduandos da UFRJ. Usamos um eletroencefalógrafo digital de 36 canais, 22 eletrodos de prata, um computador com o programa de aquisição de sinais, outro com o de apresentação de estímulos (Presentation), um monitor para o sujeito e um joystick. A colocação dos eletrodos seguiu o Sistema Internacional 10-20: 20 eletrodos para a aquisição dos sinais, dois de referência nos mastóides e um de aterramento.

RESULTADOS:

Foram plotados 20 gráficos, cada qual referente a uma derivação, que é o ponto no escalpo onde se captam os sinais elétricos. Em cada gráfico se visualiza uma sobreposição de traçados de EEG, cada um relativo a uma condição experimental. Portanto, um dos traçados de EEG de cada derivação é relacionado à resposta eletrocortical dos voluntários ao processamento cognitivo dos estímulos congruentes, e o outro traçado se refere aos incongruentes. Em ambos os traçados se observam três ERPs: aproximadamente aos 200 ms, 450 ms e 650 ms.

Os ERPs por volta dos 200 ms são muito expressivos, negativos, superpostos e encontrados em 10 derivações: FP1, FP2, FZ, F3, F4, F7, F8, CZ, C3, C4, T3 e T4. Os ERPs a cerca dos 450 ms, também negativos, são mais discretos e aparecem em FZ, F3, F4, F7, F8, CZ, C3 e C4. Nestas derivações se verificam ainda ERPs negativos em torno dos 650 ms, sendo que os decorrentes das frases incongruentes têm uma amplitude maior do que a dos ERPs provenientes das frases congruentes.

O tratamento estatístico aplicado foi o Running t-Test (Hagoort et al., 2004a, 2004b). Usando um sinal diferencial para as sentenças com e sem condição, um padrão Gaussiano foi assumido, e o t-Test foi aplicado em cada amostra (25 ms), de 200 a 800 ms, considerando-se todos os sujeitos. O objetivo foi testar a hipótese nula, isto é, a de não haver diferença entre as amplitudes dos ERPs a cada instante de tempo (25 ms), empregando um nível de significância de α=5%.

CONCLUSÕES:

Se fizermos um cálculo retroativo considerando a ordem canônica da estimulação, verificamos que os ERPs aos 200 ms se encontram dentro da janela de tempo referente à concatenação do sujeito da frase ao vP, ou seja, o momento da apresentação do adjunto coincide com o da concatenação do sujeito. Isto explica o fato de estes ERPs serem de amplitude tão elevada, já que este tipo de amplitude normalmente está relacionada com uma sobrecarga de processamento, um esforço cognitivo maior.

Os ERPs por volta dos 450 ms parecem corresponder à fase seguinte da derivação da sentença, isto é, à da derivação do adjunto, quando a preposição se concatena ao nome.

A única condição presente neste experimento é a congruência ou incongruência semântica do adjunto em relação à proposição. Assim, os ERPs em torno dos 650 ms devem se referir à concatenação do adjunto com a sentença S-V-O, sendo os ERPs de maior amplitude relativos a adjunto semanticamente incongruente, dado o maior grau de dificuldade de integração do constituinte.

A diferença bastante aparente da morfologia dos ERPs dos 650 ms em relação aos demais é explicada pela carga de processamento bem maior envolvida, que abrangeria a integração de um constituinte à frase, ou seja, a um conjunto de outros constituintes.

Diante destes achados, verificamos a ordem bottom-up do curso da derivação, sendo a concatenação proveniente de uma relação de adjunção (pair merge) posterior à concatenação de sujeito e à concatenação de objeto.

 

Instituição de fomento: CNPq - Edital Universal: projeto CLIPSEN (Computações Lingüísticas: Psicolingüística e Neurofisiologia), Lingüística/ UFRJ
 
Palavras-chave: concatenação (merge) de adjunto; ERP (potencial relacionado a evento); Neurolingüística.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006