O presente trabalho tem como objetivo discutir e analisar a questão da interdisciplinaridade na sua relação com os espaços profissionais e o Serviço Social no contexto da Estratégia Saúde da Família. Para tanto, apresenta inicialmente um breve histórico da interdisciplinaridade no intuito de lançar os aportes para a discussão conceitual. Nesta, levanta as principais concepções e enfoques sobre interdisciplinaridade da literatura. A partir dela, constrói um marco referencial com duas compreensões de interdisciplinaridade e dois conjuntos de enfoques analíticos (NOGUEIRA, 1998 JAPIASSU, 1976). Posteriormente, o marco  referencial dos conceitos subsidia a discussão levantada na Estratégia Saúde da Família e o marco referencial dos enfoques sustenta a discussão em torno dos espaços profissionais, particularmente do Serviço Social. A temática tem um caráter central, posto que, contemporaneamente, o processo de reestruturação produtiva tem repercutido significativamente nos projetos de equipes multiprofissionais. Ou seja, o desemprego, a precarização do trabalho, a polivalência do trabalhador, trazem conflitos dos mais diversos para os ambientes interdisciplinares, como a disputa de competências, a crise de identidades profissionais, os corporativismos, e a necessidade de reorganização dos espaços profissionais.

O caminho metodológico percorrido foi o da pesquisa bibliográfica que consiste na realização de um estudo teórico elaborado a partir da reflexão pessoal e da análise das fontes escolhidas (SALVADOR, 1986). Para tanto, realizou-se um levantamento criterioso do material bibliográfico sobre as publicações relacionadas à saúde da família e aos espaços sócio-ocupacionais do Serviço Social notadamente, à interdisciplinaridade e a saúde. Ao lado disso, foram mapeados todos os trabalhos que constam nos Anais dos Congressos da área de Serviço Social dos últimos cinco anos que tinham como objeto o Programa Saúde da Família. Para análise desses trabalhos, ao todo 24 artigos, utilizou-se um instrumento especifico de pesquisa que privilegiou a intervenção dos assistentes sociais por meio dos seguintes ítens: concepção de família que norteia o fazer profissional e indicativos de trabalho interdisciplinar.

Do material coletado, identificou-se que a interdisciplinaridade apesar de parecer um fenômeno recente está presente desde a antiguidade (NUNES, 1995). Esta constatação aliada as principais concepções de interdisciplinaridade, permitiu desenvolver duas compreensões, a stricto sensu ligada a nomenclatura da interdisciplinaridade e a lato sensu relacionada aos conceitos implicados na sua constituição.  Através dos dois conjuntos de enfoques complementares, a saber, o enfoque da interdisciplinaridade na perspectiva do conhecimento e da intervenção profissional, e o enfoque da interdisciplinaridade no plano individual e coletivo, compreendeu-se que a interdisciplinaridade na construção do conhecimento difere quanto a sua viabilidade do plano da intervenção profissional. De maneira similar, reiterou-se que no aspecto coletivo a interdisciplinaridade encontra muito mais barreiras para sua efetivação do que no individual. Considerando a interdependência da dimensão interventiva para com a dimensão do conhecimento, entende-se que os obstáculos nesta primeira estão para além da formação dos profissionais pautada na lógica do conhecimento disciplinar. Dentre as características que marcam a interdisciplinaridade no plano da intervenção profissional encontramos o papel desempenhado pela intersubjetividade nas relações profissionais, e as questões decorrentes do cotidiano profissional que instigam os profissionais a questionarem-se quanto aos papéis e identidades profissionais.

Pelo caráter ideológico presente nas concepções de interdisciplinaridade analisadas, concluiu-se que esta é uma categoria carregada de sentidos. As barreiras colocadas principalmente no âmbito coletivo/interventivo decorrem da necessidade de integração de processos de trabalho, porquanto, trata-se de um processo em contínua construção que exige em cada etapa de sua operacionalização mudanças profundas. Contanto, em relação ao objetivo proposto, embora se reconheça a importância e a necessidade da interdisciplinaridade no âmbito de equipes multiprofissionais na saúde da família, destaca-se que tal construção está condicionada ao contexto sócio-econômico-político marcado pelo avanço tecnológico e principalmente pelo processo de reestruturação produtiva que repercute no desemprego e na insegurança do trabalhador. Neste sentido, contrapõe-se a imagem idealizada da interdisciplinaridade na qual se acredita que somente a disposição dos profissionais seja suficiente para construir uma intervenção interdisciplinar. Por fim, refletindo os obstáculos apontados no plano da intervenção, no Programa Saúde da Família observa-se um duplo desafio para os profissionais do campo social: a desqualificação e apropriação de seus saberes pelas profissões/disciplinas hegemônicas da área da saúde e a condição de profissional subsidiário e complementar em relação a figura do médico o que revela o distanciamento da proposta interdisciplinar.