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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 12. Ensino de Ciências

Filosofia e Ciências Naturais para Uma Nova Dimensão do Sujeito

William Hoberg Mattos  1
Mari Inêz Tavares  2
Daisy de Brito Rezende 2
(1. Fundação Estadual do Bem Estar do Menor; 2. Departamento de Química Fundamental, IQUSP)
INTRODUÇÃO:

Adolescentes em situação de risco e vulnerabilidade social, em instituições destinadas à consecução de medidas sócio-educativas para sua reintegração junto ao coletivo, apresentam um quadro de baixa auto-estima (TRAVERSO-YEPEZ, MA et al. Psicol. Soc. jul./dez. 2002, v.14, n.2), desenvolvendo a idéia de que são incapazes de aprender e abstrair. Entretanto, devido às exigências contemporâneas, sua reinserção envolve, necessariamente, a aquisição de conhecimentos heterogêneos e de habilidades e competências diversificadas.

A interdisciplinaridade favorece a intervenção do sujeito sobre a realidade social pela articulação de diferentes campos do conhecimento (BARROS, MNF et al. A Interdisciplinaridade como Instrumento de Inclusão Social: Desvelando Realidades Violentas. http:// www.pucrs.br/textos/anteriores/ano2/ interdiscipli-naridade.pdf), enquanto a ciência influencia e é influenciada pela sociedade (SOARES, RT. A Construção da Realidade: Uma Visão Não-Dualista.In: Linguagem Conhecimento, Ação – Ensaios de Epistemologia e Didática, São Paulo: Escrituras, 2003). As relações entre o logos e a práxis implicam numa reconstrução dialética do discurso do sujeito.

Essa comunicação descreve a construção de conceitos de âmbito científico por adolescentes de uma unidade de internação provisória do município de São Paulo, admitindo-se a linguagem como premissa fundamental para dar sentido ao conhecimento. Assim, é dada ao adolescente a oportunidade de re-aprender a ver o mundo em sua historicidade e sua compreensibilidade, por meio de suas reflexões (NEVES, MCD. O que é isto, a Ciência? Um Olhar Fenomenológico. Maringá: Ed. Eduem,2005) e do compartilhamento delas. A integração enrtre filosofia e química se dá em atividades de cunho reflexivo, encarando-se o conhecimento científico como geração de modelos e teorias, fim em si mesmo subordinado ao rigor do raciocínio.

METODOLOGIA:

Atividades propostas no PROQUIM (Projeto de Ensino de Química para o 2º Grau. Vol. I. Campinas: UNICAMP,1986) foram desenvolvidas em dois encontros de 03 horas, com 08 alunos da FEBEM. Neste material, os conteúdos de química são organizados em torno de um conceito central que atua como subsunsor (AUSUBEL, D.P. et al. Psicologia Educacional. 2.ed., São Paulo: Interamericana, 1980), sendo retomados e complexificados paulatinamente, segundo uma abordagem que transita dos aspectos macroscópicos aos submicroscópicos para propiciar a aprendizagem significativa dos conceitos.

O conjunto de atividades selecionadas parte da evocação, por parte dos participantes, do conceito mais inclusivo de transformação para que, a partir dele, construíssem a idéia de transformação química como formação de novos materiais, cuja identificação se dá pela comparação de aspectos macroscópicos dos sistemas inicial e final.

Assim, identificaram transformações de seu cotidiano e as discutiram coletivamente, em busca da forma de identificar sua ocorrência. A leitura do texto "Reconhecendo Transformações" organizou essa discussão, pela introdução do conceito de sistema. A seguir, realizaram atividades experimentais, comparando diversos sistemas antes e depois de submetidos a diferentes ações, anotando o que lhes parecesse significativo.

A coleta de dados deu-se através da análise das respostas a uma série de questões que exigiam habilidades de interpretação de gráfico e de textos, bem como de análise e síntese. A categorização dos resultados foi construída de acordo com a taxonomia de Bloom (RODRIGUES, J. A. Taxonomia de Objetivos Educacionais – Um Manual Para o Usuário. UNB, 2ªed., 1994).

RESULTADOS:

A análise dessas atividades mostrou que 90% destes jovens adquiriram o conceito de transformação química como formação de novos materiais nos níveis de conhecimento e compreensão, sabendo listar, explicar e descrever o assunto abordado. No que concerne a raciocínios mais elaborados, os sujeitos responderam a quatro questões, relacionadas ao que haviam observado e escrito, tendo desempenho semelhante ao anterior quanto a conhecimento e compreensão (90%), enquanto os resultados referentes a operações mentais mais complexas foram significativamente inferiores: 20%,10%, 0% e 0% referentes, respectivamente, a aplicação (demonstrar, resolver), análise (análise e comparação), síntese (elaborar hipóteses) e avaliação (justificar, criticar). Em ocasião posterior à socialização das respostas através de discussão coletiva de sua análise dos resultados experimentais, os alunos, ao resolverem novas questões, que cobravam as habilidades de análise, síntese e avaliação, tiveram índices de 40%, 10% e 0% de acerto, dados que indicam ter ocorrido aprendizagem significativa do conceito por parte de alguns desses indivíduos. Esses resultados sugerem que, caso fossem desenvolvidas atividades de ensino participativo mais sistemáticas com esse público-alvo, sua capacidade de aprendizagem seria significativamente aumentada.

CONCLUSÕES:

A aquisição dos conceitos (palavras) pelos alunos é facilitada pelo vivenciamento dos fenômenos. A integração entre a expressão externa e a auto-sensação interior do vivenciado (BAKTHIN, M. Estética da Criação Verbal, Coleção Biblioteca Universal. 4ª ed. ,São Paulo: Martins Fontes,2003) compõe as atividades dos alunos.

A apropriação de uma nova linguagem pelo sujeito implica, não numa memorização visual e mecânica de sentenças, de palavras, de sílabas, desgarradas de um universo existencial – coisas mortas ou semimortas – mas numa atitude de criação e recriação que implique na auto-formação, que resulte em uma postura de interferência do homem sobre seu contexto. Nesse enfoque, o papel do educador seria o de dialogar sobre situações concretas, oferecendo aos alunos instrumentos que facilitem sua aprendizagem. Uma aula não deve ser construída de cima para baixo, como uma imposição, mas de dentro para fora, pelo próprio aluno, com a colaboração do educador (FREIRE, P. Educação como Prática da Liberdade, 3ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1971).

Concluímos assim que, através de um trabalho interdisciplinar entre Filosofia e Química, os jovens em situação de risco e vulnerabilidade social negativa podem desenvolver habilidades essenciais para se situarem significativamente quanto a relações simples e complexas tais como a interpretação de gráficos, a leitura de textos, a resolução de problemas de análise e síntese, além do aprimoramento da verbalização. O material utilizado (PROQUIM) favorece o trabalho interdisciplinar, pois implica na aquisição de um amplo conjunto de habilidades e competências por parte dos educandos.

Instituição de fomento: Secretaria de Estado da Educação do Estado São Paulo
 
Palavras-chave: interdisciplinaridade; linguagem; transformação química.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006