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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 12. Direito

Influências das Reformas Pombalinas de 1772 na formação dos cursos jurídicos e da elite imperial brasileira

Marcelo Dalmás Torelly 1
Paulo Abrão Pires Junior 2
(1. Programa de Pesquisa Voluntária do Departamento de Direito Público- PUCRS; 2. Professor e Coordenador do Departamento de Direito Público - PUCRS (Orientador))
INTRODUÇÃO:
A formação tardia da modernidade em Portugal dá-se, mormente, durante os anos de ministério do Marquês de Pombal, que governou o país de 1750 a 1777, e buscou subsídio no iluminismo, sobretudo o italiano, para reformar diversos setores da sociedade. O redesenho social promovido por Pombal visava alçar Portugal ao status dos grandes impérios da época, tendo como uma de suas pedras angulares a reforma da Universidade de Coimbra (UC) em 1772, objetivando criar uma elite culta e orgânica e um corpo técnico capaz de substituir os fidalgos e os nobres na administração do Estado. A elite política do Brasil Colônia era profundamente influenciada pela UC, principal centro de formação superior do Reino, tendo a Universidade impresso sua marca na construção do Estado e do Direito brasileiro. Ao substituir as idéias da segunda escolástica pelo iluminismo, Pombal alterou a matriz intelectual que formou toda uma geração da elite luso-brasileira. Essa elite construiu o Estado no Brasil e organizou os cursos jurídicos de São Paulo e Olinda, que passaram, após a independência, a formar boa parte do corpo técnico do Império. A pesquisa aqui apresentada tem por objetivo mapear a influência das reformas pombalinas, inseridas no iluminismo português, na formação da elite política brasileira que construiu o Estado-Nação, e na criação dos cursos jurídicos que a ele forneceram o necessário corpo técnico, aplicando a compreensão da influência de tais fatores na formação do nosso direito pátrio.
METODOLOGIA:
Tratando-se a pesquisa de mapeamento sobre a história das idéias e seus desdobramentos em fatos de um período posterior (influência), seguiu-se o método histórico-crítico, conforme definido por Pierangelo SCHIERA, buscando agregar aos fenômenos estudados a maior espessura conceitual possível e definindo os espaços onde tais conceitos são válidos, formando assim elementos e indicadores de análise quantitativa, qualitativa e comparada. Para tanto partiu-se dos estudos sobre o iluminismo no Brasil e em Portugal realizados por Kenneth (Princeton University), bem como dos estudos organizados por Arthur WHITAKER e de Richard MORSE sobre as influências do iluministas na península Ibérica e seus reflexos na América Latina. Os dados quantitativos foram obtidos de cruzamentos dos bancos de dados produzidos em três teses de doutoramento, as de José Murilo de CARVALHO , Ruth Chittó GAUER e Mozart Linhares da SILVA. As informações sobre as estruturas curriculares dos cursos jurídicos do período, bem como das reformas pombalinas no ensino superior, foram extraídas de fontes bibliográficas secundárias. Foi procedida análise de discursos de estadistas do período, sobretudo nos Anais da Constituinte de 1823 e nas Falas do Trono, para neles verificar a presença de elementos do iluminismo, especialmente do português/coimbrão. Para permitir a melhor compreensão do impacto das reformas de 1772. A base empírica do trabalho foi organizada através de quantificação de dados em séries históricas.
RESULTADOS:
Na verificação da influência da titulação superior para a composição da elite política encontramos que, dos senadores do período 1822-89, 76,11% tinham formação superior; dos ministros 91,32%, sendo que 72,5% deles com formação em Direito (Leis e/ou Cânones). O impacto da criação dos cursos jurídicos brasileiros fica claro ao acusarmos a migração do pólo formador: 100% dos ministros de 1822-31 foram formados em Portugal (71,80% em Coimbra) e 83,35% dos de 1834-40; em 1871-89 temos 98,40% de formados no Brasil e apenas 1,6% em outros países. O currículo dos cursos de São Paulo/Olinda, conforme os Estatutos do Visconde de Cachoeira, era praticamente equivalente ao Coimbrão, restando diferente: 1- o menor peso do Latim, 2- o maior peso do Direito Pátrio, e, 3- o maior estudo do Direito Romano. Os autores iluministas usados em Portugal o eram também no Brasil: Grócio, Pufendorf, Tomásio, Beccaria, Bhentan, D. Ricardo, A. Smith, Malthus, et ali. A influência iluminista, filtrada pelo pombalismo, chegou aos debates da Constituinte de 1823, destacando-se o exemplo privilegiado do debate sobre a extensão da nacionalidade/cidadania, onde a posição de matriz iluminista/pombalina de estender a cidadania e restringir a participação foi vitoriosa. Destacam-se as posições dos deputados Montezuma, Maciel da Costa, Antônio Carlos Silva Lisboa entre os iluministas e de Costa e Silva e Albuquerque entre os com cosmovisões pré-iluminista de Estado-Nação.
CONCLUSÕES:
Os resultados deixam clara a influência dos cursos jurídicos da Coimbra reformada na formação da elite política brasileira, sobretudo no Primeiro Reinado (1822-31) e na Regência (1831-40), períodos em que a maioria dos ministros eram juristas formados naquela instituição, valendo o mesmo, porém em menor nível, para os Senadores. Igual influência pombalista/iluminista é perceptível na formação dos cursos jurídicos brasileiros, onde nota-se que, com a transferência do pólo formador para o Brasil, somada a proximidade curricular dos cursos Coimbrão e de São Paulo/Olinda, houve extensão do alcance da Reforma Portuguesa de 1772. O rompimento e a assunção de um modelo liberal no ensino jurídico brasileiro ocorreu apenas com as reformas que acompanham os movimentos de proclamação da república federada (para além do período de análise deste estudo), sendo as reformas de 1854 pouco significativas para o que aqui se analisou. A composição sincrética do espectro político-jurídico brasileiro, definido por muitos como “mosaico cultural”, apresentou diversos obstáculos à implementação de um projeto moderno de Estado e de Direito, fato claro nos debates sobre nacionalidade/cidadania analisados no estudo. A estratégia pombalina de instrumentalização da Universidade para promoção iluminista alcançou êxito inequívoco, superando as dificuldades culturais e marcando de forma profunda as primeiras organizações jurídico-políticas pátrias, evitando o separatismo que cindiu a América Espanhola.
 
Palavras-chave: Iluminismo; Reformas Pombalinas; Ensino Jurídico.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006