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G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social

A CONSTRUÇÃO DO IMAGINÁRIO DA MORTE A PARTIR DO CEMITÉRIO JARDIM DA SAUDADE

Odilce Bortolini Somera 1, 2
Gerson de Rodrigues Albuquerque 1, 3
(1. Departamento de História - UFAC / Centro de Documentação e Informação Histórica; 2. Graduanda; 3. Docente)
INTRODUÇÃO:
A construção do cemitério Jardim da Saudade em 1985, situado no Bairro Tancredo Neves, na cidade de Rio Branco – Acre, visava atender a nova demanda de pessoas falecidas. Com o intuito de fazer desse cemitério o mais bonito e organizado da capital, a prefeitura o projetou com espaços bem divididos: área específica para enterrar crianças, adultos, lugar de jardinagem, uma capela para rezar ou velar os corpos, como também largas calçadas que dividiam os túmulos. Dez anos depois, o cemitério já contava com cerca de cinco mil sepulturas e sua estrutura inicial começou a deteriorar-se. Além desse fato, outro episódio foi marcante para a desestruturação do mesmo. Em 1995 e 1997 ocorreram duas grandes enchentes no Acre, sendo a capital a mais afetada, principalmente, porque contava com inúmeras famílias morando às margens do rio Acre. Portanto, não vendo outra saída, a prefeitura tranferiu alguns moradores para uma parte do terreno do cemitério, com o discurso de que essa ação seria provisória. No entanto, isso não ocorreu e esses deslocamentos foram responsáveis pela formação do Bairro Defesa Civil. A presente pesquisa discute as limitações entre espaço de vivos e mortos, identifica os olhares existentes: medo, respeito ou costume, e possibilita a discussão do conceito de morte como fruto de relações históricas e sociais construídas no imaginário e nas práticas humanas.
METODOLOGIA:
Buscando atender a tal problemática, a pesquisa foi realizada através do diálogo com certos autores como João José Reis, Plhilippe Áries, Jacques Le Goff, entre outros, os quais nos proporcionaram uma visão mais ampla e metodológica do conceito de morte e da relação histórica que os vivos têm com a mesma. Foram realizadas entrevistas com os moradores do bairro e funcionários do cemitério, os quais relataram seu cotidiano nesse ambiente que para muitos é apenas imaginável. Foram  analisadas imagens antigas do cemitério e seu entorno, como também produzidas algumas fotos atuais para comparar as alterações ocorridas. Buscou-se ainda, nos jornais relatos sobre a construção do cemitério e sobre as enchentes para se ter uma noção mais clara da situação na qual a cidade se encontrava. Através desses recursos foi possível conhecer melhor a área estudada, além de verificar e confrontar algumas informações adquiridas anteriormente, como também pensar em variadas possibilidades de leitura e discussão através dos silêncios das fontes, os gestos, as expressões, atitudes e sonhos dos moradores.
RESULTADOS:
Nessa pesquisa pretendeu-se compreender as transformações ocorridas na relação entre vida e morte no imaginário das pessoas. No decorrer da pesquisa observou-se que tal proposta foi atendida em parte. Para alguns moradores a convivência tão próxima aos túmulos ainda revela um temor não bem da morte em si, mas dos falecidos. Para outros ocorreu significativas transformações a ponto de fazê-los sentir medo muito mais dos que estão vivos, do que dos que estão mortos. Há aqueles ainda, que pelo costume conseguem tramitar livremente entre casas e túmulos, realizando suas atividades do cotidiano, principalmente, porque o Estado não se faz presente, a não ser quando há alguma “violência” que para o poder estatal se constitua como ameaça a ordem. Outro fato interessante foi a descoberta de um antigo cemitério clandestino, o qual foi simplesmente soterrado com a terraplanagem feita pela prefeitura para poder abrigar os primeiros moradores. Sem o mínimo de respeito pelas pessoas ali enterradas e muito menos pelos vivos, prepararam-se os terrenos, construíram-se as casas e colocaram as pessoas dentro delas, desde o inicio então, vivos e mortos ocupam o mesmo local.
CONCLUSÕES:
Na pesquisa percebeu-se algumas mudanças nas mentalidades dos homens e mulheres que residem nas fronteiras do cemitério. Tanto na relação com os mortos, quanto com os vivos, como também com o Estado. Sendo que, no tocante ao poder público, os moradores do local estão cansados de promessas não cumpridas, percebendo que não há uma real preocupação com aqueles que habitam uma  região considerada pelo próprio discurso urbanístico inóspita ao convívio humano. Contudo, presenciamos a situação conflitante do Bairro Defesa Civil onde encontramos as devidas situações de convivência do vivo-morto no que se refere ao abandono enquanto pessoa humana; e o morto-morto, aquele que além da morte córporea também deixou de existir na memória e na preocupação dos familiares. Porém, no último caso, há um respaldo do poder público, que nas suas práticas demonstra maior preocupação em abrigar os corpos, do que elaborar e concretizar obras que venham a solucionar os problenas de habitação de Rio Branco. Todavia os moradores conseguiram modificar seus olhares para o Cemitério Jardim da Saudade. Seus sentimentos de medo e respeito foram alterados conforme o tempo de convivência com o mesmo. Essa convivência também alterou a rotina do cemitério. Hoje quando pensamos em um, logo nos vem a imagem do outro, é difícil dissociá-los. Talvez o Jardim da Saudade não seja o mais lindo esteticamente como idealizado pela prefeitura no seu início de construção, mas é rico nas possibilidades de interpretações.
Instituição de fomento: Universidade Federal do Acre - UFAC
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Morte; Cemitério; Imaginário.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006