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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística

OS VERBOS SUPLETIVOS EM PORTUGUÊS: EVIDÊNCIAS NEUROFISIOLÓGICAS E COMPORTAMENTAIS

Aniela Improta França 1
Miriam Lemle 1
Maurício Cagy 2
Antonio Fernando Catelli Infantosi  3
(1. Departamento de Lingüística/ UFRJ; 2. Departamento de Epidemiologia e Bioestatística/ UFF; 3. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica/ COPPE/ UFRJ)
INTRODUÇÃO:

Tomando como pressuposto teórico a Morfologia Distribuída (Halle e Marantz 1993), a derivação começa com a entrada, na computação, de unidades básicas que não são palavras, mas sim traços abstratos, sem conteúdo fonológico, estocados na Lista 1. Embora não se tenha um completo inventário destes morfemas ou dos traços abstratos da Lista 1, as análises postulam que lá estão um espaço vago para Raiz, os traços categorias (n, v, a), Tempo, Aspecto e outros. Ao final de cada fase de derivação, os nós terminais da sintaxe passam a ser preenchidos por peças de vocabulário, unidades com forma fonológica estocadas na Lista 2.

Com este modelo separacionista de gramática em que a computação sintática é separada da implementação fonológica, é relevante estudar três conjuntos de verbos em português que contrastam quanto à morfologia: (i) verbos cujas formas se distribuem em conjuntos distintos fonologicamente, chamados de formas supletivas - ser,  sou, fui, era; (ii) verbos cuja raiz pode ser reconhecida por um mínimo de traços fonológicos - trazer, trago, trouxe; e (iii) verbos do paradigma regular da conjugação -comprar, compro, comprei.

O objetivo desta comunicação é comparar o processamento destes três tipos de verbos. Mediante estimulação visual, colhemos respostas de 31 voluntários a partir de duas tecnologias experimentais: uma comportamental, que mede o tempo de resposta e outra, neurofisiológica, que mede a reação eletrocortical.

METODOLOGIA:

A metodologia de apresentação de estímulos foi a de priming encoberto, que consiste na apresentação de duas palavras que compartilham alguma propriedade morfológica, fonológica ou semântica. Assume-se que uma palavra-alvo pode ser acessada mais rapidamente se precedida por outra (prime) com a qual compartilhe unidades da morfologia, segmentos fonológicos ou propriedades semânticas. A estimulação é feita com vários pares prime-alvo, misturados aleatoariamente a um igual número de pares não prime-alvo e a pares prime-não palavra. A tarefa do voluntário é dizer se o alvo é ou não uma palavra.

A arquitetura da pesquisa fez uso de seis séries de estímulos:

Série 1 -  Grupo controle com  40 pares de formas verbais sem relação alguma: verei-somos;

Série 2  -  40 pares supletivas: sou-era;

Série 3 - 40 pares de verbos irregulares que compartilham traços fonológicos: sou-somos, trago-trouxe;

Série 4  -  40 pares de formas de verbos no paradigma regular da conjugação: parti-partiu;

Série 5  -  160 pares palavra - não-palavra: cola-frutor.

Para o teste comportamental computamos todos os tempos de reação aos alvos ou seja o momento em que os voluntários apertaram o botão de um joystick para julgar se a forma verbal era palavra ou não-palavra.

Para o teste neurofisiológico empregamos a técnica de extração de ERPs (event-related brain potentials - potenciais relacionados a eventos), que se dá a partir do EEG bruto acoplado no tempo à estimulação lingüística. Colaboraram 31 sujeitos, graduandos da UFRJ, com idade média de 22.4 anos .

RESULTADOS:

O teste neurofisiológico, que mediu o tempo de reação cortical aos alvos, captou diferenças estatisticamente relevantes nas três comparações efetuadas: (i) entre alvos do grupo controle (verei-somos) onde não há nenhum efeito de priming morfológico, fonológico ou semântico operando,  e alvos de pares supletivos(sou;fui); (ii) entre alvos do grupo controle e alvos de pares do paradigma irregular (trago-trouxe);  e (iii) entre alvos do grupo controle e de pares do paradigma regular (parti-partiu). A reação cortical aos alvos supletivos foi  discretamente mais rápida (latência da onda) e mais forte (amplitude das ondas ) do que ao grupo controle. As diferenças se intensificam, tanto em latência como em amplitude,   para os verbos irregulares e atingem ainda maior contraste na comparação (iii) com os verbos regulares.  

Porém, em relação ao teste comportamental, os resultados de tempos de reação  não se mostraram estatisticamente diferentes nas duas primeiras comparações. Isto quer dizer que as comparações entre tempo de reação aos supletivos e ao grupo controle e entre tempo de reação a verbos irregulares e grupo controle não puderam afastar a hipótese nula. Só a terceira comparação foi estatisticamente significatica.

CONCLUSÕES:

Os verbos no paradigma regular, parti partiu, demandam menos esforço cognitivo como pudemos observar pelo resultado do teste neurolingüístico. Isto fez com que estas formas causassem tempo de reação menor,  como mostrou o teste de tempo de reação.   

Não houve diferença em nenhum dos dois métodos entre as formas em conjugações irregulares e as formas regulares de supletivos. Este resultado está dentro das expectativas da Teoria Lingüística, uma vez que os verbos irregulares têm em sua conjugação sub regularidades que são relacionadas pela fonologia, bem como as formas regulares dentro dos alomorfes supletivos. Houve uma diferença entre o  teste neurolingüístico e o comportamental em relação aos pares verei-somos e sou-era. A distinção só foi captada no teste neurolingüístico. A extração de ERPs nos mostrou que sou-era são reconhecidos como parte de um mesmo paradigma e não como palavras distintas como  verei-somos. A extração de ERPs capta o processamento de língua com uma granularidade mais fina do que a medida de tempo de reação. 
Instituição de fomento: CNPq - Edital Universal: projeto CLIPSEN (Computações Lingüísticas: Psicolingüística e Neurofisiologia), Lingüística/ UFRJ
 
Palavras-chave: supletivos; morfologia; teoria e análise linguistica.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006