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A. Ciências Exatas e da Terra - 3. Física - 2. Ensino de Física

O ESPANTO E A IMAGINAÇÃO: SITUAÇÕES EXPERIMENTAIS DIDÁTICAS  E O DESVELAMENTO DA FÍSICA CIRCUNSTANCIAL

Eugenio Maria de França Ramos 1
(1. Professor Assistente Doutor do Depto de Educação - UNESP Campus de Rio Claro)
INTRODUÇÃO:

Apresenta-se neste trabalho parte de pesquisa realizada com professoras de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental e alunas de um curso de Pedagogia, analisando as primeiras impressões frente a seis experimentos didáticos de conhecimento físico, que apresentam como características aliar a experiência à ludicidade, seja pela estética do material ou pela forma como são manuseados, tratando de mecânica, óptica e eletricidade estática. Durante a apresentação do trabalho os protótipos utilizados serão exibidos.

A análise das justificativas da pesquisa da primeira impressão permitiu-nos observar que há uma quantidade maior de elementos, nas reações das pessoas, a serem considerados. Assim, se de um lado constatamos que o encantamento é um sentimento presente nas reações das pessoas, de outro percebemos que, evidentemente, não poderíamos reduzir todas as reações a esta forma genérica. Há neste encantamento desde a magia até uma perspectiva didática. Além disso, há na primeira impressão sentimentos que extrapolam o conhecimento físico que desejamos trabalhar até o desejo de, decididamente, ocultar julgamentos. Há, enfim, elementos consistentes de crenças, costumes e mitos que não podem ser ignorados, se pretendermos entender o ponto de vista da pessoa - sua circunstância de análise.

Neste trabalho destacamos particularmente o grupo de análise das pessoas que manifestaram algum tipo de espanto quanto ao efeito de funcionamento do protótipo didático.

METODOLOGIA:

A coleta de dados da primeira impressão consistiu essencialmente da apresentação sumária dos seis materiais selecionados, mostrando os efeitos de cada um, sem que as pessoas pudessem manuseá-los. Ao final da apresentação dos seis materiais, voltávamos a dizer o que tínhamos feito com cada um dos materiais e o nome de cada um. Em seguida distribuíamos uma folha em que a pessoa - professora ou aluna - registrava seu nome, a série em que atuava, qual material havia chamado mais atenção - com a recomendação de citar apenas um dos materiais - e a justificativa de tal escolha. As perguntas registravam de forma sucinta: (1) Qual material você mais gostou? (2) Por que?

Todo o processo, desde a apresentação até o recolhimento das folhas de escolha, durava cerca de 20 minutos. A maior parte do tempo era gasta com a apresentação e uma pequena parte, cerca de 5 minutos, para as pessoas receberem a folha, registrarem suas opções e a devolverem preenchida.

Após o recolhimento das folhas, esclarecíamos que se tratava de uma pesquisa sobre materiais didáticos e que as respostas seriam guardadas de maneira a manter o sigilo quanto à justificativa e escolha. É significativo registrar que a maioria, tanto de professoras como de alunas, respondeu à folha de coleta sem qualquer restrição.

As respostas foram tabuladas e classificadas em grupos de similaridade, permitindo uma análise mais aprofundada de perspectivas e possibilidades.

RESULTADOS:

O espanto registrado nas justificativas proporciona uma outra informação interessante. Nelas aparecem referências mais detalhadas de fatos inesperados, colocando à mostra o conhecimento físico - as crenças físicas - que a pessoa já possui. Isto é, ao expressar o espanto por algum acontecimento a pessoa oferece elementos de sua estrutura de conhecimento relacionado com este assunto, por meio da argumentação que indica o que julgou inesperado.

Essa Física Circunstancial compreende é o conhecimento que se circunscreve ao sujeito, incluindo aí o conhecimento decorrente das suas crenças herdadas, como também o de sua experiência pessoal. Tais conhecimentos nem sempre possuem bases seguras, pois podem ser assistemáticos, justapostos e reflexos de nossos próprios desejos (Bachelard, 1996).

Dessa forma, a Física Circunstancial pode conter diferentes graus de desvios conceituais com relação aos mesmos termos dentro de um corpo de conhecimento histórico e organizado como a Física.

Algo semelhante se observa com alunos do ensino básico ao se apresentar a eletrização de um canudinho plástico com um pedaço de papel higiênico. Neste caso é notável a associação entre calor e surgimento de eletricidade. Embora o fenômeno seja nomeado corretamente, nem sempre há uma consistência conceitual do ponto de vista do modelo físico aceito. Fala-se em “eletricidade” mas, ao explicar mais detalhadamente o fenômeno, a pessoa fornece indicações de que tudo decorre do calor gerado pelo atrito.

CONCLUSÕES:

A Física Circunstancial não se traduz apenas na observação simplificada da realidade. Ela é formada por meio da estruturação de um conhecimento que sintetiza a experiência pessoal e os conhecimentos culturais oferecidos pelas crenças, pelas tradições, pelo ensino escolar e pelos meios de comunicação.

A associação entre eletricidade e calor é um conhecimento, cujo aparecimento só é possível graças à generalização de ambos os acontecimentos, quando da eletrização por atrito. O ensino escolar fornece o rótulo, mas não o modelo científico do conhecimento. Neste caso, o conjunto da observação experimental e do ensino escolar constituem parte do conhecimento generalizante da pessoa.

É muito difícil imaginar que a pessoa, isoladamente, venha a superar esta visão. É igualmente difícil supor que a Escola - dentro do modelo didático explicação > tarefa - também o faça. Com referência à Escola em particular é mais fácil supor que, agindo segundo esta estratégia didática, venha a reforçar e sofisticar ainda mais este obstáculo epistemológico ao conhecimento.

A saída para tal situação passa pela desestruturação do modelo didático explicação > tarefa por meio do uso de materiais experimentais e situações teóricas provocadoras, que desafiem a consistência dos modelos existentes, nas diversas Físicas Circunstanciais. Pois, como destaca Ortega y Gasset (1958), sem instalar a dúvida a pessoa não pensará em sua crença.

Instituição de fomento: Fundação CAPES
 
Palavras-chave: Ensino de Física; Formação de Professores; Crenças e Imaginação.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006