A Academia Brasileira de Ciências (ABC) firmou acordo de colaboração com sua congênere francesa para a realização de um projeto destinado à melhoria do ensino de ciências na educação básica. O projeto foi denominado “ABC na Educação Científica – Mão na Massa” para denotar o envolvimento da Academia bem como, também, significa a compreensão de uma educação científica como parte integrante de um processo intermitente de alfabetização, ao qual chamamos de alfabetismo científico. Este projeto visa diminuir a distância física e temporal entre o mundo acadêmico e comunidade escolar, além de colaborar para o desenvolvimento da criatividade e da crítica participativa entre os alunos. Prevê ainda o desenvolvimento de práticas pedagógicas e a criação de materiais que visam um ensino de ciências inserido em um contexto cultural mais amplo. De maneira inovadora, procura-se aliar o ensino das ciências à linguagem, por meio da valorização do desenvolvimento da argumentação oral e escrita que espera-se ocorra como produto da maior interação entre os alunos como conseqüência dos desafios lançados à turma que são trabalhados em grupo, embora se preserve um espaço para reflexão e proposta individual.

Este projeto foi implantado no Estado do Rio de Janeiro, onde foi desenvolvido um conjunto de estratégias educativas e materiais inéditos que buscaram estimular as atividades calcadas no princípio investigativo, em classe ou no entorno da escola. Este estudo consiste na tentativa de, acompanhando o trabalho, elaborar uma proposta de avaliação do processo educacional com base em pesquisa.

 Esta pesquisa assumiu cunho etnográfico porque visamos estudar sistematicamente o cotidiano escolar, pensando o ensino de ciências dentro de um contexto cultural  mais amplo. A pesquisa exigiu um trabalho de campo intenso e prolongado para dar conta da complexidade do contexto do ensino fundamental no Colégio Estadual Deodato Linhares, que abrange um universo de 704 alunos.

A pesquisa compreendeu também um levantamento quantitativo de dados sobre dependência escolar, embora tenha enfatizado mais a preocupação com o estudo gradual do processo educacional inovador que ocorreu de maio a dezembro de 2004 . Optamos pela observação participante,  que implicou não apenas no registro de comportamentos, mas também de atitudes, opiniões, sentimentos e crenças. Agregamos a isso levantamentos de outras fontes, como a análise documental dos materiais utilizados e a realização de entrevistas. Tivemos o cuidado de buscar dados sobre aspectos que colaborassem para a interpretação das situações observadas, como a análise dos cadernos de experiências dos alunos, dados do acompanhamento dos registros das atividades propostas, gravações em áudio e vídeo durante o desenrolar das propostas em sala-de-aula. Consideramos, também, os depoimentos informais dos diferentes atores envolvidos -  direção, professores, alunos, pais, radialistas, familiares e demais membros da comunidade que participaram eventualmente durante o processo examinado.

Esta pesquisa proporcionou a seleção de aspectos vitais para compor uma proposta de acompanhamento avaliativo de um processo educacional com o perfil “ABC na Educação Científica – Mão na Massa”.

Os dados coletados na secretaria do Colégio, com informações relativas ao número de alunos em dependência, apontaram a redução no índice destes casos após a implantação do projeto e sugeriram que este tipo de indicador possa ser relevante para análise da possibilidade do processo educacional inovador estar contribuindo para diminuição da evasão escolar e exclusão social dos alunos.

Como parâmetro qualitativo de análise, destacamos a maior intensidade de interações. Percebemos que o projeto fomentou maiores oportunidades de trocas entre alunos, professores e comunidade escolar, em geral, com cientistas da Fiocruz, contribuindo para mudanças na visão estereotipada sobre a ciência e o cientista e para o surgimento de questionamentos sobre a veracidade das informações provenientes dos livros didáticos.

O método investigativo também parece ter favorecido à apropriação de conhecimento, por meio da estratégia de valorização das tentativas de resposta dos alunos com dificuldade de aprendizagem, não relacionando erro com fracasso.  As interlocuções entre pares iguais e desiguais favoreceram o desenvolvimento de uma postura crítica local evidenciada a partir das manifestações de repúdio a um acidente ecológico que provocou contaminação das águas do rio que banha a cidade no período estudado.

Os resultados deste estudo sugerem a propriedade de uma abordagem avaliativa que se beneficie tanto de dados quantitativos como qualitativos para acompanhar um processo educacional. Dados absolutamente quantitativos, como os resultados de exames, não são suficientes como base para análises ou para orientar decisões relativas à condução de um trabalho cotidiano de longo prazo. Mais importante do que um grau escolar é o que se busca avaliar no projeto “ABC na Educação Científica - Mão na Massa: pesquisar se um ensino de ciências, seguindo uma metodologia investigativa característica deste trabalho, pode deslanchar um processo que leve a um alfabetismo científico. Importante é compreender que o conceito de alfabetismo científico pode ser traduzido como um letramento incessante que pode colaborar para a utilização do saber científico no sentido da aquisição de uma postura crítica que favoreça o desenvolvimento da cidadania na sociedade e de uma cultura científica interdisciplinar que impulsione o compromisso humanista dos que têm acesso ao saber e, especialmente, colabore para as interações em sala-de-aula, contribuindo também para a  diminuição dos preconceitos e maior inclusão dos alunos provenientes de famílias iletradas.