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F. Ciências Sociais Aplicadas - 9. Comunicação - 8. Comunicação

A LOUCURA E SUAS DEFINIÇÕES DISCURSIVAS OFICIAIS: análise das influências do discurso oficial de cada época acerca da loucura na constituição do discurso midiático e na formação da opinião pública.

Elen Barbosa Mateus 1
Alcineide Nunes 1
Celso Martins Serrão 1
Kamila de Mesquita Campos 1
Karla Maria Silva de Miranda 1
(1. Universidade Federal do Maranhão/UFMA)
INTRODUÇÃO:

O presente trabalho é resultado de pesquisa teórico-empírica acerca dos discursos oficiais que se formaram em diferentes períodos históricos para definir o fenômeno Loucura. O objetivo dessa incursão é perceber as contradições do discurso universal da loucura e de sua performatividade histórica em dois níveis de análise: em nível macrossocial, apontando os discursos oficiais de diferentes épocas ao longo da história da sociedade ocidental, a fim de estabelecer as divergências; em nível microssocial, referenciando a constituição discursiva de um campo social específico – a ciência – e de um nicho específico de desenvolvimento do conhecimento científico referente ao fenômeno da loucura - a psiquiatria. Pretende-se com isso verificar as contradições internas desse discurso oficial, sua exteriorização no espaço público, os conflitos externos presentes no diálogo com outros discursos sociais e em que medida ele influencia na formação da opinião pública, uma vez que o discurso mediado pelos veículos de comunicação se apresenta à sociedade como discurso verdadeiro (pretensão da ciência e também do próprio campo social midiático como meio de legitimar-se, o que Foucault denomina vontade de verdade).  Objetivamos abordar os riscos de visibilizar apenas uma das vozes sociais que disputam o lugar de fala na esfera pública.

METODOLOGIA:

Foram utilizados dois tipos de pesquisa: Pesquisa Bibliográfica e Pesquisa de Campo. Na primeira, identificamos desde conceitos embrionários sobre a loucura na Antiguidade até às definições médicas contemporâneas, estabelecendo as contradições entre as diversas definições e evidenciando o discurso oficial correspondente a cada época, mostrando também como esses discursos estavam atrelados a interesses de grupos influentes. Também recorremos a estudos do campo comunicacional referentes à relação do jornalista com as fontes e o recurso às fontes oficiais na composição do texto que será publicado. Em seguida, concentramos a atenção no discurso das ciências, particularmente da psiquiatria médica, que se propõe como discurso oficial e legítimo nas atuais discussões públicas sobre a loucura. Num segundo momento, realizamos pesquisas empíricas de campo em São Luís - MA, que incluiu a observação dos pacientes e formas de tratamento do Hospital Público Psiquiátrico Nina Rodrigues e do seu programa de reabilitação desenvolvido no Centro de Atenção Psicossocial – CAPS. Também foi realizada uma auditoria de opinião, que consiste em entrevistar representantes de grupos sociais formadores de opinião (pacientes, familiares, funcionários do hospital, psiquiatras, assistentes sociais, psicólogos, pessoas da comunidade, membros da Igreja, universitários e advogados) a fim de conhecer como cada um conceitua o fenômeno e utiliza esse conceito no seu campo de ação específico.

RESULTADOS:

Na Antiguidade temos explicações mitológica e filosófica da loucura. A Idade Média nega todo o conhecimento filosófico e explica a loucura como o mal desenvolvido no homem pelos demônios. Na modernidade, a visão de mundo racional do iluminismo e o Renascimento vão influenciar no surgimento das ciências e desenvolvimento da medicina. A filosofia clássica é evocada para subsidiar os estudos organicistas da natureza do homem, da mente e seus desvios. O estatuto da racionalidade nega a definição mítico-religiosa que predomina na era medieval. A psiquiatria surge e se desenvolve nesse contexto como área legitimamente responsável pelo diagnóstico e tratamento de desvios mentais, inclusive a loucura. Em meados do século XX, a psiquiatria é negada por alguns movimentos sociais que revelam os manicômios como espaços de exclusão social. Na auditoria, a maioria dos entrevistados define loucura como doença mental, provocada por uma lesão do cérebro ou por disfunções cerebrais. Já os psiquiatras, definem como psicose, perda de contato com a realidade objetiva e criação de outra realidade. Nas atividades de reabilitação do hospital (CAPS), diagnosticamos: 70% são usuários de drogas, 20% somente de álcool e apenas 10% são psicóticos. Além disso, os internos não participam das atividades do CAPS, embora representem a maioria que de fato tem graves desvios de percepção da realidade. Apenas pessoas que fazem o tratamento e convivem com a família fora do hospital participam do CAPS.

CONCLUSÕES:
Hoje, o discurso científico é o primeiro a receber visibilidade nos meios de comunicação quando o tema é Loucura, principalmente a psiquiatria, que quase sempre faz o diagnóstico pela lista de doenças mentais, descrição dos sintomas (emoções e condutas que fogem do comportamento padrão) e tipos de loucura do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Distúrbios Mentais. Uma vez que os sintomas são de ordem comportamental e o manual é utilizado no mundo todo em diferentes culturas, a precisão do diagnóstico é questionável. O conceito de loucura que chega ao espaço público resulta da tradução do discurso oficial (psiquiatria) pelo campo midiático, principal responsável pela formação da opinião pública. Assim, a imagem que a mídia constrói sobre o fenômeno depende do que é disponibilizado pelos que detêm o discurso oficial. A seleção do que é divulgado reflete interesses institucionais, como observado na pesquisa de campo em relação ao CAPS. Notamos que o CAPS tem sido utilizado como estratégia de divulgação de uma imagem positiva do Hospital, através da exposição de trabalhos realizados pelos pacientes em eventos com cobertura da mídia, reproduzindo o discurso oficial da instituição de inclusão social, tratamento alternativo, mais humano e totalmente negador da relação que se faz entre manicômios e violência. Porém, constatamos que os internos não participam do CAPS, logo não são todos os beneficiados com tal tratamento como a instituição quer fazer crer.
 
Palavras-chave: discurso oficial da loucura ; opinião pública ; campo midiático.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006