IMPRIMIR VOLTAR
H. Artes, Letras e Lingüística - 1. Artes - 8. Teatro e Ópera
ENERGIA, CORPO E PERCEPÇÃO DO ATOR NA PERSPECTIVA REICHIANA
José Gustavo Sampaio Garcia 1
(1. Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade Santa Cecília / UNISANTA)
INTRODUÇÃO:

Nesta investigação, analiso o trabalho de preparação e interpretação do ator a partir de um ponto de vista teórico específico, o pensamento reichiano. A questão que se coloca é: de que maneira uma teoria, que examina o funcionamento humano em seus aspectos ligados à mente, ao corpo e ao fenômeno energético, pode ajudar na compreensão dos diversos ângulos envolvidos no trabalho do ator, seja o de sua preparação como artista, seja o da criação de seu papel, ou o da própria apresentação teatral?

A teoria reichiana não foi gerada dentro do campo das artes, do teatro, da estética. Desenvolveu-se dentro do campo científico, sendo estruturada com uma fundamentação filosófico-epistemológica específica. Seu berço foi a psicanálise, mas bebeu também do materialismo dialético e se consolidou como funcionalismo orgonômico, com forte colorido bergsoniano. A compreensão profunda e abrangente dos fenômenos emocionais e expressivos faz com que ela se torne um paradigma bastante eficiente para a análise dos elementos envolvidos na prática teatral

O pensamento funcional orgonômico, desenvolvido por Wilhelm Reich, utilizado para a leitura do trabalho do ator, permite construir elementos básicos para a formação de uma linguagem que permita ao ator enunciar e manipular alguns elementos de seu trabalho hoje bastante discutidos no campo da linguagem artística, mas que não encontram fundamentação teórico-científica correspondente.

METODOLOGIA:

A pesquisa se encontra em território intermediário entre a teoria orgonômica e o das propostas de trabalho do ator. Para estabelecer esta ponte, foi necessário formar um panorama da visão reichiana do funcionamento humano, para dele extrair a concepção de seus fundamentos para a atividade do ator. Leitura e análise constituíram-se na espinha dorsal, em torno da qual foram agregados os elementos retirados de minha experiência como terapeuta reichiano, de minha vivência de ator, diretor e professor de teatro.

Parti da hipótese de que a teoria reichiana pode ser arcabouço teórico bastante rico e eficiente para aqueles que procuram uma prática na atividade do ator que seja fundamentada de maneira séria, e não apenas tenha assento em afirmações genéricas, ou puramente vazias de conteúdo.

O primeiro passo, foi um levantamento dos temas centrais a serem investigados, o que exigiu o estudo de teóricos que versam sobre o trabalho do ator e a análise dos elementos que mais se adequavam a essa leitura, a partir da perspectiva reichiana.

Em seguida, esses elementos foram agregados em temas, para que pudessem ser discutidos à luz da teoria orgonômica. Foi possível, então, escolher, dentro do enorme universo desta, as compreensões do funcionamento humano fundamentais para o entendimento do trabalho do ator.

A etapa seguinte, cerne deste trabalho, foi de análise e reflexão, buscando compreender de que maneira cada um desses elementos teóricos ajuda a esclarecer a prática do ator.

RESULTADOS:

A relação corpo-mente se impôs, logo de início, como grande problema discutido pelos teóricos da arte do ator. Na perspectiva reichiana, corpo e mente, como par funcional, apresentam-se, juntamente com seu princípio funcional comum, o aspecto bioenergético do organismo, como três diferentes níveis de uma mesma expressão do ator.

A compreensão energética orgonômica, em acordo com as funções antientrópicas vitais, explica a linguagem expressiva da própria vida, anterior ao surgimento da linguagem gestual e falada. Propicia, ainda, o acesso teórico às percepções do campo orgonótico do ator que, embora pertençam à experiência comum daquele que trabalha no teatro, não encontram fundamentação nos conceitos vagos de energia que ali circulam.

No aspecto corporal, encontramos a questão da couraça, enquanto resistência à expressão do ator, mas também como proteção. Diferenciei o objetivo terapêutico de desmontagem da couraça do objetivo estético-artístico do ator.

Abordei, então, a consciência e percepção do ator. Surge aí, a necessidade de uma autopercepção do ator, que o leve a uma consciência pelo todo, não fragmentada e não sujeita apenas ao pensamento racional.

Finalmente, examinei o funcionamento vivo do ator em seu aspecto mais amplo, em sua relação com a saúde e a ética. A arte do ator aparece inserida em uma busca de contato profundo consigo mesmo, que, em seus momentos mais significantes, revela a humanidade de sua personagem, de si mesmo e de sua platéia.

CONCLUSÕES:

O exame das diversas funções envolvidas, em diferentes níveis, permitiu a construção de um panorama do funcionamento do ator em uma perspectiva orgonômica, que, mesmo não esgotando o tema, abriu caminho para novas pesquisas, tanto no campo teórico como no campo da prática.

O funcionamento vivo do ator, que emerge desta pesquisa, pressupõe a pulsação, a linguagem expressiva do ator (que está ligada ao movimento bioenergético plasmático espontâneo), o corpo flexível e capaz de assumir as diversas máscaras das personagens, a consciência integrada (capaz de uma autopercepção que abranja todos os sentidos), e a entrega ao processo emocional (como condição básica de uma criação viva e satisfatória para o ator e seu público).

O ator vivo é um ser integrado com seu funcionamento natural e com a sociedade a que pertence. Para o funcionalismo orgonômico, a arte, como todo o processo criativo humano, está ligada à saúde; não à loucura, ao desequilíbrio ou às pulsões anti-sociais de qualquer espécie. As funções básicas do ser humano estão na própria base de sua vida em comunidade.

A arte do ator, vista sob a perspectiva da teoria reichiana, pode ser analisada de uma maneira científica, isto é, pode ser compreendida de forma sistemática e rigorosa, o que leva ao maior domínio das funções aí envolvidas. No entanto, não deixa de ser um processo criativo, em que o reconhecimento de suas regularidades abre, ainda mais, o espectro de novas possibilidades expressivas e estéticas.

Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Wilhelm Reich; Ator; Interpretação.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006