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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social

ATITUDES INTERGRUPAIS, SIGNIFICADOS DAS IDENTIDADES ÉTNICAS E AUTO-ESTIMA COLETIVA EM CRIANÇAS DE UMA COMUNIDADE QUILOMBOLA EM PORTO DA FOLHA-SE.

Guilherme Fernandes Melo dos Santos  1
Martha Emanuela Soares da Silva  1
Denise de Souza Silva  1
Alan Magno Matos de Almeida  1
Dalila Xavier de França  1
Marcus Eugênio Oliveira Lima  1
(1. Departamento de Psicologia/Universidade Federal de Sergipe/UFS)
INTRODUÇÃO:

O INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) reconhece 8 comunidades sergipanas enquanto comunidades de remanescentes de quilombos, porém essas comunidades batalham junto ao estado pela legalização da posse das terras onde vivem e aquelas que estão em processo de resolver a sua situação territorial, travam conflitos com os fazendeiros locais que não aceitam a desapropriação das referidas terras. Das 8 comunidades reconhecidas pelo INCRA, apenas a comunidade do povoado Mocambo, às margens do rio São Francisco em Porto da Folha, obteve a titulação das terras onde vivem.

Uma das exigências do estado para conceber a titulação de terras em benefício de comunidades quilombolas é a afirmação da identidade étnica ligada aos valores e elementos culturais destas mesmas comunidades. A questão da afirmação de identidades na modernidade é recorrente e assuntos referentes a identidades étnicas estão efervescendo os círculos de debates em nossa sociedade e no mundo inteiro.

Com o objetivo de investigar a própria identidade étnica das crianças da comunidade quilombola Mocambo e auto-estima coletiva das mesmas, o grupo de pesquisa “Normas Sociais, Estereótipos, Preconceito e Racismo” realizou um estudo com 42 crianças e para coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista. Os resultados apontam para a existência de uma identidade ligada ao fato desse grupo social ser constituído por remanescentes de quilombos e também de sentimentos ligados a tal pertença social.

METODOLOGIA:

Nosso estudo foi constituído através de um roteiro de entrevista estruturada com questões de caráter lúdico que foi aplicado com crianças da comunidade de remanescentes do quilombo Mocambo, localizada no município de Porto da Folha, às margens do rio São Francisco. Participaram do estudo 42 crianças negras, com idades que variavam dos 6 aos 13 anos e cursavam da 1ª à 7ª séries do primeiro grau em duas escolas da comunidade. Entre as crianças 19 eram do sexo masculino e 23 do sexo feminino.

Para estimular as crianças no contexto das entrevistas foram utilizadas fotografias, previamente testadas, de crianças brancas, negras e indígenas da mesma faixa etária das crianças entrevistadas. As respostas foram analisadas através do método da análise de conteúdo.
RESULTADOS:

Em relação à identidade social das crianças, 27 (64,3%) destas afirmam ser de cores que atestam uma forte identidade social relacionada à cor negra (preta, negra, escura, roxo), 10 (23,8%) afirmam ser morenas, enquanto que só 5 (11,9%) das crianças afirmavam ser de outras cores (branca, cinza).

Quando mostramos as fotografias das crianças brancas, negras e indígenas e em seguida perguntamos com qual das crianças das fotos a criança entrevistada se achava mais parecida, tivemos os seguintes resultados: 23 crianças disseram se parecer mais com a criança negra da foto, 13 disseram se parecer com a criança branca e 6 crianças disseram se parecer com a criança indígena.

Em outra questão perguntamos se as crianças entrevistadas gostavam de ser da mesma cor das crianças das fotos escolhidas por elas como sendo a mais parecida com elas mesmas e os resultados foram os seguintes: 17 crianças disseram gostar muito de ser da cor da criança escolhida, 15 crianças disseram gostar mais ou menos de ser da cor da criança escolhida e 10 crianças disseram gostar pouco ou não gostar de ser da cor escolhida através das fotos das crianças.

Perguntamos se as crianças gostariam de ser diferentes do que são e tivemos como resultados que 30 destas gostariam de ser diferentes do que são, contra apenas 12 que estavam satisfeitas de serem como são. Das 30 crianças que disseram que gostariam de ser diferentes do que são 17 (56,6%) gostariam de mudar a própria cor da pele e/ou o tipo do cabelo.
CONCLUSÕES:

Nossos resultados apontam para a existência de uma forte afirmação da identidade social negra e de atitudes de baixa auto-estima das crianças em relação a sua pertença grupal, uma contradição que ao nosso entender e que estudos posteriores irão esclarecer, está relacionada aos critérios utilizados pelo estado para o investimento em políticas públicas que visam beneficiar comunidades tal qual a que estudamos, quais sejam, comunidades formadas por descendentes de quilombolas e que são consideradas patrimônios históricos nacionais. Para viabilizar projetos em benefício desse tipo de comunidade, a mesma tem que auto declarar-se como tal, mesmo entendendo e isso como demonstram nossos resultados, aparece inclusive nas crianças, que sua identidade étnica é pouco valorizada na sociedade brasileira.

Estes resultados são reflexos de uma consciência já manifestada pelas crianças negras da comunidade quilombola Mocambo, dos valores simbólicos ligados à identidade social dos negros em uma sociedade racista como a nossa.

Em síntese, as crianças afirmam uma identidade social que não é valorizada na sociedade para que o grupo se beneficie de ações específicas para grupos marginalizados, porém quando são questionadas sobre gostarem ou não de serem como são as mesmas negam os atributos que as constituem enquanto grupo social.

Instituição de fomento: Conselho Nacional de Pesquisa
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Identidade étnica; Auto-estima coletiva; Comunidade quilombola.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006